A Teoria da Interface da Percepção de Donald Hoffman
Parte da série em vídeo "Experiência & Consciência" (episódio 5) - Link incluso
A Teoria da Interface da Percepção nos apresenta uma visão intrigante e desafiadora: nossa percepção do mundo não é um caminho para a verdade, mas um mecanismo voltado para a sobrevivência. Segundo essa teoria, a evolução nos dotou de sentidos que funcionam como uma interface de usuário. Essa interface nos ajuda a navegar pelo mundo, mas oculta a vasta e complexa realidade objetiva. Em vez de nos mostrar a verdade última, nossas percepções foram moldadas pela seleção natural com o propósito de facilitar a reprodução e garantir a continuidade da espécie.
Os objetos físicos, portanto, não são o que parecem. Eles não existem realmente "lá fora"; em vez disso, são ícones em nossa interface perceptiva. Donald Hoffman, um dos proponentes dessa ideia, usa uma analogia esclarecedora: observar a lua no céu é como ver o ícone de um pincel em um software de design gráfico. Esse ícone não representa um pincel real dentro do computador; é apenas uma representação simplificada de algo muito mais complexo.
O conceito de espaço-tempo forma o layout dessa interface, enquanto os objetos funcionam como ícones que criamos à medida que enfrentamos desafios de sobrevivência. Todos nós, seres humanos, compartilhamos essa interface evolutiva, o que faz com que nossos ícones sejam construídos de maneira semelhante. Criamos esses ícones rapidamente para resolver problemas imediatos e os descartamos quando já não são necessários.
Nossa crença de que esses ícones são objetos tangíveis nos leva a confundir a interface com a realidade subjacente. Isso alimenta a visão materialista do mundo. Porém, mesmo com os avanços tecnológicos que nos permitem explorar mais profundamente essa interface e revelar detalhes mais sutis, jamais conseguiremos tocar a essência verdadeira da realidade. Nossa percepção está sempre limitada pela interface evolutiva que nos foi dada. Ela comprime a vasta gama de dimensões e possibilidades em três dimensões espaciais e uma temporal, não porque isso reflita a realidade, mas porque é assim que evoluímos para perceber nosso ambiente.
Assim, os objetos físicos são, na verdade, estruturas de dados que indicam recompensas de aptidão. Até mesmo nosso corpo é apenas mais um ícone nessa interface. Nossos sentidos evoluíram para traduzir essas recompensas de sobrevivência em experiências, sentimentos e emoções, orientando nossas ações de forma eficaz. Poderíamos ter desenvolvido inúmeras outras formas de percepção, mas acabamos com esta, que se mostrou eficaz para nosso contexto evolutivo.
Nossos corpos e sentidos, moldados pela seleção natural, não retratam a realidade de forma precisa. Eles servem apenas como ícones adicionais dentro dessa interface. Percebemos nossos corpos como entidades físicas reais, o que pode ser útil no dia a dia, mas é, na verdade, uma ilusão. O que vemos é uma representação - um mapa que destaca os benefícios do condicionamento físico. Portanto, aquilo que percebo como "minha perna" não é realmente minha perna; é uma representação de um mundo externo que permanece inacessível para mim.
Qualquer tentativa de localizar a consciência nos processos neuronais do cérebro está fadada ao fracasso. A consciência não é um produto do cérebro; ela é a natureza fundamental da realidade. O cérebro atua como um filtro, capturando apenas uma faixa estreita da experiência consciente que conseguimos perceber. O corpo que enxergamos representa apenas uma pequena fração de tudo o que existe.
Na verdade, estamos entendendo tudo ao contrário. O cérebro não gera a consciência. O corpo, o cérebro, os neurônios - tudo são ícones dentro de nossa interface perceptiva, na qual estamos confinados, como jogadores em um videogame. Em vez disso, os objetos, o espaço e o tempo existem dentro da consciência. O espaço-tempo é como uma realidade virtual, um fone de ouvido que usamos desde o nascimento. Os objetos que enxergamos, incluindo nosso corpo, são simplesmente ícones.
Desde a infância, desenvolvemos a crença de que nossos corpos são concretos e nos pertencem. Chegamos a pensar que habitamos esses corpos, provavelmente ancorados no cérebro. Contudo, após uma reflexão mais profunda, torna-se evidente que o conceito de corpo é apenas uma ilusão, outra construção simulada por nossos cérebros. O corpo não é nosso lar - não o habitamos - apesar das crenças de longa data que temos sobre ele.
O automodelo de Metzinger e o Realismo Consciente de Hoffman fornecem uma justificativa evolutiva para esse fenômeno. Experimentamos o que parece ser um corpo para garantir a sobrevivência e a reprodução. A natureza nos enganou, mas esse engano tem sido incrivelmente eficaz em termos de sobrevivência.
No entanto, manter a crença em um corpo real, tangível e separado - e que estamos confinados nele - apenas reforça a ilusão de um eu distinto. Quando passamos a ver o corpo como apenas outra representação, e não como um objeto sólido com limites claros, começamos a desmantelar nossa crença em um eu separado. Essa percepção nos permite questionar a ideia de que habitamos nossa carne e ossos de maneira concreta.
A ilusão de continuidade, que nos faz acreditar que nossos corpos são entidades permanentes e tangíveis, molda nossa experiência desde a infância. Aprendemos a ver o corpo como nosso lar, mas essa é apenas uma construção mental. Ao percebermos que o corpo é uma manifestação da interface, podemos começar a explorar uma compreensão mais profunda da consciência.
Essa perspectiva nos convida a reconsiderar a natureza da realidade e da consciência. Se o corpo e o cérebro são ícones, onde reside a verdadeira consciência? Hoffman sugere que a consciência é a base de toda a realidade, não um produto do cérebro. O cérebro, portanto, não cria a consciência, mas atua como um filtro, limitando o que podemos experimentar.
Ao reavaliar essas ideias, podemos começar a ver o mundo de maneira diferente. O que percebemos como sólido e real é, na verdade, uma interface evolutiva projetada para a sobrevivência. Essa nova compreensão pode nos libertar da visão materialista e abrir caminho para explorar a consciência como a essência fundamental do universo.
Em última análise, essa teoria desafia nossas suposições mais básicas sobre a realidade, o eu e a consciência. Ao reconhecer a interface pelo que ela é, podemos abrir espaço para novas possibilidades de entendimento e conexão com o mundo ao nosso redor, além de ultrapassar as limitações de uma percepção puramente física.
Na próxima edição, vou abordar o conceito de “Túnel do Ego” de Thomas Metzinger.
Que o flow esteja com você.
Até sempre.