Acordo novamente com um peso no peito. Não sei ao certo que horas são e nem onde estou. É assim quando desperto de maneira abrupta, como se um sonho tivesse se transformado num pesadelo num piscar de olhos. Tateio, buscando as horas do celular: 3 da manhã.
Recosto a cabeça novamente no travesseiro e fragmentos do sonho começam a pipocar, como peças de um quebra-cabeça que nunca se completa. Novamente me vejo descalço, vulnerável, caminhando por um terreno desconhecido, sem rumo e sem proteção. Cenas que se repetem nos últimos meses, como se minha mente estivesse tentando me dizer alguma coisa que ainda não consigo decifrar. Mas não fico procurando interpretações e não tento decodificar os símbolos. Nunca dei muita bola para sonhos de qualquer forma e não é hoje que vou começar.
Como protagonista involuntário destes sonhos, mergulho e vivo as cenas sem consciência de que estou suspenso em outra dimensão. Durante o sonho, a ilusão é tão real quanto a realidade que experimento agora. O despertar traz alívio, mas também uma inquietação peculiar: onde termina o sonho e começa a realidade? Nos primeiros instantes depois de abrir os olhos, tudo parece fazer parte de uma única experiência. Não há distinção clara entre o que foi sonho e o que é o despertar. Gradualmente, o cenário à minha volta vai se revelando: o quarto, a cama, o silêncio da madrugada. E então me localizo, como se voltasse a habitar um corpo que havia sido esquecido.
Mas é então que inicio outro sonho - o da Consciência desperta. Nele, e por conta do meu despertar confuso e etéreo, percebo com clareza que não existe separação entre mim e o que me cerca. O mundo externo e o interno não são dois, mas um só. Navego tranquilo nesta Presença expansiva que tudo abraça, que permeia cada átomo, cada pensamento, cada respiração. Neste estado, a pressão por resultados no trabalho ou a busca por uma versão "melhor" de mim mesmo se dissolvem, são o que sempre foram, ilusões. Não há linha de chegada a cruzar, pois já sou a expressão mais plena de mim mesmo. Não há nada a buscar fora que já não faça parte de mim. Esta compreensão traz leveza, mesmo quando sei que preciso jogar o jogo social neste mundo adormecido. E todos precisamos.
Trabalho, me relaciono, cumpro obrigações, mas sem cair na ilusão da separação e independência. Sei, no fundo, que tudo está interconectado, que cada ação, cada palavra, cada pensamento reverbera no todo. Essa consciência não me isenta da participação no mundo, das alegrias e das tragédias, me induzindo a um sentimento niilista para a vida, ao contrário, me permite viver com uma nova perspectiva. Não mais como um indivíduo isolado. independente, lutando por sobrevivência ou reconhecimento, mas como uma expressão única de uma única Consciência que se manifesta nas experiências únicas de mais de 8 bilhões de formas.
O peso no peito que sinto ao acordar, então, se transforma. Não desaparece, mas se integra a um entendimento mais amplo. Ele não é mais um incômodo, mas uma lembrança sutil da impermanência e da fluidez de todas as coisas. E assim, mesmo nas horas mais densas e tensas, foco minha atenção na não dualidade, sabendo que, no fim, tudo faz parte da mesma Presença Desperta que de relance, pude vislumbrar há alguns anos. E nunca mais deixei de apontar em todas as oportunidades que tenho. O sonho e a vigília, o eu e o outro, o dentro e o fora - tudo é parte da mesma Consciência, que não teve um começo e não terá um fim. Nesse entendimento, encontro uma paz buscada desde minha infância e adolescência. Mas quase 50 anos se passaram para estar aqui, agora, presente e atento.
A percepção da não-dualidade traz uma transformação profunda e sutil às minhas relações interpessoais, como se um véu que antes separava as pessoas fosse levantado, revelando uma conexão mais essencial e verdadeira. No entanto, essa mudança em geral não ocorre de forma abrupta ou dramática, mas sim como um entendimento gradual, que aos poucos vai se insinuando em cada interação com o que me cerca.
Antes, minhas relações eram marcadas por uma sensação de distância, como se eu e o outro fôssemos ilhas isoladas, separadas por um oceano de diferenças não compreendidas e expectativas mútuas. Sempre senti uma busca constante por validação, por reconhecimento, por amor. Cada encontro era, em certa medida, uma tentativa de preencher um vazio que acreditava existir em mim. “Quem sabe é agora, com essa pessoa, ou nesta situação?”
Mas, com a compreensão da não-dualidade, esse vazio se revelou como uma ilusão. Ele não está lá, porque nunca houve separação. O outro não é alguém distante de mim, mas uma extensão da mesma Consciência que habita em mim e em tudo o que existe. É abrir uma porta que dá para dentro.
Isso não significa que minhas relações se tornem perfeitas ou isentas de conflitos. Pelo contrário, os desafios continuam a surgir, pois estamos todos imersos em um mundo de dualidades aparentes, onde as diferenças e os desentendimentos são inevitáveis, especialmente em tempos de polarização como vivemos.
A diferença está na maneira como esses desafios são percebidos e enfrentados. Já não vejo o outro como um oponente, alguém que está contra mim, um concorrente (tão comum nas relações corporativas), mas como um espelho que reflete aspectos de mim mesmo que ainda precisam ser compreendidos e integrados. Cada conflito se torna uma oportunidade de autoconhecimento e de expansão da consciência.
A empatia, antes limitada por barreiras mentais e emocionais, por minha história, minhas crenças e valores, flui de forma mais natural e espontânea. Quando percebo que o outro sou eu mesmo, em outra forma, a compaixão surge sem esforço. Sem julgamentos rígidos ou expectativas irreais. Cada pessoa é vista em sua totalidade, com suas luzes e sombras, e isso permite uma aceitação mais profunda e genuína. Não que eu ignore comportamentos hostis ou nocivos, ou me torne passivo diante de atitudes que causam dano, qualquer que seja, mas a forma de lidar com isso se torna mais sensível e menos reativa. Muito diferente de como sempre agi (por vezes ainda ajo, mas com menos frequência quando direciono minha atenção para o coração e de lá tento ver o mundo, gesto que aprendi com alguns sábios do Dzogchen).
Minhas relações também se tornaram mais leves, menos carregadas de necessidade e dependência. Quando percebo que nada está faltando em mim, que já sou completo em minha essência, deixo de buscar no outro aquilo que acredito não ter.
No entanto, essa nova perspectiva também traz desafios. Participar do jogo social em um mundo que ainda opera sob a ilusão da separação pode ser desafiador. Muitas vezes, me vejo em situações em que as expectativas convencionais das relações entram em conflito com minha compreensão mais profunda. Como agir quando o outro ainda está preso em padrões de dependência, controle ou manipulação? Como manter a autenticidade sem ferir ou afastar aqueles que ainda buscam sua real natureza? Essas são perguntas que continuam a surgir, e as respostas nem sempre são claras.
O que aprendi, no entanto, é que a não-dualidade não é uma desculpa para o isolamento ou a indiferença. Pelo contrário, ela me convida a estar inteiro, plenamente presente em cada relação, a me engajar com o mundo de forma amorosa e compassiva, sem perder de vista a verdade mais profunda que nos une.
Fronteira Interior" é uma jornada transformadora que convida líderes, empreendedores, profissionais e curiosos a explorar as profundezas da consciência humana e a descobrir a unidade que permeia todas as experiências. Os leitores são guiados por um caminho de autodescoberta, onde a separação entre o eu e o mundo se dissolve, revelando a essência da não dualidade.
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