Antes do Pensar
A escrita como presença, não como intenção - Como escrevi meu primeiro livro
Este texto nasce de uma vontade de mostrar que o estado de flow, a não separação, a experiência que acontece antes mesmo do pensar, são condições acessíveis e universais, portanto, todos nós já temos esta “tecnologia embarcada” desde que nascemos. Essas condições foram e continuam sendo, fundamentais na construção de tudo o que escrevo, seja meu primeiro livro que sai em breve, mas também nos ensaios que publico em O Psiconauta. Não foi método nem disciplina que me colocaram diante dessas palavras. Foi o esvaziamento, um tipo de escuta que não depende da mente.
Ainda hoje, muita gente se surpreende quando conto que escrevo meus primeiros rascunhos numa máquina de escrever dos anos 60. Acham bonito, pitoresco, coisa de artista excêntrico. Alguns ficam intrigados: “Mas você não pode apagar?”. Outros acham impossível produzir algo assim. E se espantam ainda mais quando digo que, ao reler, muitas vezes nem reconheço o que escrevi.
Mas é exatamente isso que me interessa. Quando escrevo o primeiro rascunho desse jeito, direto, sem retorno, sem polimento, não sou eu que estou no comando. O que sai não passa pela autocensura. Não é pensado, julgado nem calculado. Não tenta agradar. É cru, vem das entranhas e às vezes sai sujo, às vezes poético, mas é sempre autêntico. Vem de outro lugar - mais fundo, mais antigo, mais silencioso.
Redescobri o prazer da escrita quando percebi que não precisava acertar nada. Que o primeiro rascunho não é para ser bom. É para ser real. A máquina de escrever me deu isso: um modo de me impedir de controlar o fluxo que emerge com palavras encadeadas. Cada tecla pressionada exige presença. E impõe uma decisão sem volta. Errou? Segue em frente, depois edita. O som seco das letras batendo no papel tem algo de definitivo: Me obriga a confiar, a me entregar.
E quando me entrego, desapareço. Não no sentido dramático, mas no mais literal possível: não há mais separação entre o que sou e o que faço. A escrita acontece sem um autor no meio. E esse é, talvez, o cerne da não dualidade. Não há dois. Não há alguém fazendo algo. Há apenas o fazer.
Nesse estado, conhecido como flow, o tempo some. A mente some. A ideia de um “eu escrevendo” some. Não tem esforço, nem resistência. As palavras passam por mim, surgindo sem pedir licença, nem permissão. Elas já estavam ali, esperando que eu parasse de atrapalhar.
Comigo, isso não acontece depois de um longo preparo. Isso acontece porque eu parei de me preparar. Sento, abro espaço, um centramento com respiração e começo, mesmo sem saber o que vai sair. Escrever antes de saber. Escrever antes de entender. Escrever antes do pensar.
É assim que muitos dos textos de O Psiconauta surgem. E foi assim que meu livro começou. Não planejando capítulos, não definindo estrutura, não tentando soar como alguém, mas confiando no que surge quando não estou tentando ser nada.
Se você está travado para escrever, talvez o problema não seja a falta de tempo, inspiração ou técnica. Talvez seja a ideia de que você precisa ser “alguém” para escrever, ser um “escritor”. Escreve melhor quem se esquece de si. Escreve mais quem não tenta escrever bem. O que funciona, pelo menos pra mim, é escrever sem pensar. Literalmente. Porque o pensar, nessa hora, mais atrapalha do que ajuda.
Comece com papel e caneta. Ou qualquer coisa que não permita apagar. Respire, sinta o corpo e escreva. Mesmo que não tenha ideia do quê ou que pareça tolo. Mesmo que a mente diga que não faz sentido. Vai fazendo, vai soltando o que estava travado. Quando você menos esperar, o texto surge sem que você saiba como.
É claro que depois vem a edição, a revisão. Mas isso é outra história. A lapidação não é o coração da escrita. O que interessa, no início, é o que veio quando você parou de tentar controlar. Quando não havia intenção de causar efeito. Quando você saiu da frente.
É só aí que a escrita acontece de verdade.
E quando acontece, o autor já não importa. O texto já está vivo.
“Antes do Pensar: Consciência e Estado de Flow para criar com leveza e autenticidade” - Editora 45
Lançamento em breve.
Sinopse:
“ANTES DO PENSAR” é um convite à descoberta de um estado de consciência que transcende o fazer automático e nos conecta profundamente ao presente: o flow. Com linguagem acessível e inspiradora, Cadu Lemos entrelaça vivências pessoais, ciência contemporânea e sabedoria ancestral para revelar como esse estado de imersão total pode transformar não só a performance individual, mas também as relações, as lideranças e as organizações.
O livro propõe uma jornada que começa antes do pensar, desafiando a ilusão do ego e da separação, e aponta para a Consciência como base de uma vida autêntica e integrada. Do flow individual ao coletivo, passando por práticas concretas, rituais diários e reflexões profundas, esta obra é uma bússola para quem busca leveza, presença e propósito em um mundo cada vez mais acelerado.
Mais do que uma técnica, o flow aqui é revelado como um modo de ser - natural e disponível a todos que escolhem viver com mais verdade e presença.
Maravilha de texto, Cadu.
Que interessante! Tenho exercitado mais o ato de escrever primeiro e me preocupar com a lapidação depois.