"Entre Máquinas e Mistérios: Histórias de um curioso incorrigível"
Ensaio do Projeto Fronteira Interior
Curiosidade é algo vital para quem quer viver a vida em sua plenitude. É uma força misteriosa que nos move sempre adiante, em direção ao desconhecido, nos fazendo questionar e explorar cada novo horizonte que surge.
Me lembro que desde pequeno fui assim, inquieto e curioso. Coloquei o dedo na tomada aos 3 anos - experiência que me rendeu não só um choque memorável, mas também uma bronca memorável e que ainda faz eco nas minhas parcas lembranças dessa idade. Aos 5, movido por essa mesma curiosidade incontrolável, me aventurei cheirando o bocal do tanque de gasolina da Vemaguete do vizinho, - geração X sabe o que é - completamente hipnotizado por aquele aroma peculiar de combustível. Outra bronca.
Daí vieram os livros e um interesse profundo pelo mundo, mas naquela época eram especialmente os aviões e os carros que me fascinavam. Devorava revistas especializadas, decorava especificações técnicas e detalhes mecânicos como quem memoriza poesia. Passava horas imaginando como seria pilotar ou apenas estar perto daquelas máquinas que tanto me encantavam. Mas eram os anos 60 e eu morava numa Brasília que tinha o status de capital mas não passava de uma cidade pequena e bem provinciana no que diz respeito a relações sociais, cultura e inovação.
Essa curiosidade transformou-se em algo quase obsessivo e me levou a construir inúmeras coleções ao longo da vida - miniaturas meticulosamente organizadas (ainda tenho), fotografias cuidadosamente arquivadas, revistas religiosamente guardadas, tudo que pudesse alimentar esse fascínio.
O interesse pela aviação me levou a fazer o curso de piloto privado, que acabei não concluindo - o voo solo permaneceu como um sonho adiado, desses que às vezes ainda cutucam nossa memória. Trabalhei numa companhia aérea para seguir perto desse amor.
Numa decisão impulsiva, agora com o interesse voltado para o automobilismo, comprei escondido do meu pai um Dodge Dart 71, em estado precário que para mim era um diamante bruto. Sonhava em transformá-lo em uma máquina de corrida vintage, mas o sonho durou apenas 24 horas. Meu pai, ao descobrir, quase teve um colapso - tive que desfazer o negócio imediatamente, sob ameaças que prefiro não recordar, mas que se concretizaram com a minha saída de casa e mudança para São Paulo, onde finalmente, após uma carreira como executivo, recomeçaria como empreendedor e treinador de líderes e equipes, usando exatamente um carro de corrida para isso (se tiver curiosidade, acesse aqui).
Em paralelo com tudo o que estava mudando ao meu redor e também em mim, volto à paixão de voar através do voo à vela, uma experiência única de planar em um avião sem motor, onde finalmente, tudo o que imaginei aqueles anos todos se concretizou e de uma forma idílica inclusive; certa vez, num voo de treinamento, um gavião chegou tão perto que pude olhar nos olhos dele por alguns segundos, um olhar que ele também sustentou... Progredi bastante, experimentei aquela sensação única de liberdade nas correntes térmicas, mas novamente o voo solo ficou apenas na promessa.
Com a passagem do tempo, essas paixões foram se transformando. Não desapareceram, mas abriram espaço para experiências mais "convencionais": a construção de uma carreira sólida em comunicação e no mercado financeiro, um casamento, a intensa batalha contra o câncer da minha ex-mulher, a alegria profunda de ter duas filhas que vieram depois desse desafio, e posteriormente uma separação particularmente dolorosa que me fez repensar muitas coisas.
Hoje me percebo com aquela mesma curiosidade essencial de quando explorava os mistérios elétricos da tomada na parede. O tempo passou, naturalmente, o corpo e a mente seguiram seu curso nessa jornada, mas existe algo aqui, algo que nenhuma palavra consegue definir, que observa tudo - ou que é tudo isso - e permanece absolutamente inalterado. Uma PRESENÇA, assim mesmo, em maiúsculas, que é idêntica desde que tenho consciência de mim.
Foi essa Presença que me fez buscar durante tanto tempo algo que eu imaginava estar em algum lugar fora de mim. Algo para conquistar, alcançar, que certamente me tornaria um ser humano mais completo, mais realizado, mais feliz. Como muitos, passei anos nessa jornada externa, acumulando experiências, conhecimentos e aprendizados, de diversas tradições, sempre com aquela sensação persistente de que algo ainda faltava, de que havia mais a ser encontrado.
Essa curiosidade e inquietação ainda habitam em mim, mas agora de forma mais serena. Compreender que essa "presença" é nossa própria essência, que não existe separação entre observador e observado e que tudo está bem como está, foi como despertar de um longo sonho: a revelação de que aquilo que eu procurava não estava fora. Nunca esteve.
É nossa natureza mais fundamental, sempre foi, sempre será, imutável em sua permanência silenciosa. Como a profundeza do oceano sob as ondas agitadas da superfície, essa presença abrange todas as experiências, todos os pensamentos, todas as emoções. Não é algo que precise ser alcançado ou conquistado, mas reconhecido e relembrado, como alguém que percebe pela primeira vez a própria respiração que sempre esteve ali, sustentando a vida a cada momento.
E nesse reconhecimento, percebo que toda a busca não foi em vão - cada passo do caminho foi necessário para me trazer de volta a este momento presente, um momento de uma simplicidade e obviedade tão grandes, que parece absurdo que a gente não perceba e, talvez por isso mesmo, um perceber tão desprezado, desconsiderado, por não conter nenhuma experiência fabulosa, mística, que nossos egos tanto anseiam enquanto nos empurram a uma busca desnecessária.
A vida continua seu fluxo, com suas alegrias e tragédias, mas agora a partir de um lugar de aceitação e compreensão mais profunda, onde os desafios são abraçados como expressões dessa mesma presença fundamental e que portanto, fazem parte do viver pleno, ou o Wu Wei, do Tao, um viver sem forçar, sem resistir, aproveitando os ventos, em vez de remar contra a corrente.
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