Explorando a Consciência: Uma Jornada Interior
Artigo inaugural da nova série do Projeto Flow: Experiência & Consciência
Nova série de artigos e vídeos, veja o primeiro episódio aqui:
Este texto serviu como roteiro para a gravação do vídeo e como normalmente faço, depois do vídeo publicado (aos domingos), durante a semana subsequente, publico o texto aqui no Substack.
Vamos nos aprofundar na experiência humana, comumente chamada de consciência. Este é o nosso ponto de partida: a realidade que podemos explorar por meio de nossa percepção.
A única certeza que temos é "Eu sou". Nenhuma outra realidade se apresenta além da que vivenciamos diretamente. O mundo, as pessoas, e toda a nossa existência se manifestam em nossa experiência. Assim, a experiência se torna o verdadeiro laboratório onde podemos investigar e, quem sabe, vislumbrar o que realmente é.
Esta série tem dois momentos, uma introdução e fundamentos sobre o tema da experiência e uma segunda etapa com práticas e direcionamentos para você não confiar no que digo aqui e experimentar por você mesmo. Ah, e não tem um número fechado de episódios porque este tema é infinito…mas a idéia é que a gente possa explorar várias frentes e autores para nos dar uma perspectiva mais ampla daquilo que é nossa real natureza.
Então vamos lá.
Feche os olhos por um momento. Respire fundo. Agora, tire alguns minutos para questionar tudo o que você acha que sabe sobre a realidade. Imagine-se flutuando no espaço, cercado por bilhões de estrelas, cada uma delas como um sol, com a possibilidade de mundos desconhecidos. Essa imensidão do cosmos nos leva a pensar: o que é tudo isso? O que é real? E se tudo o que percebemos, sentimos e vivemos for apenas uma pequena parte de uma grande e interconectada tapeçaria cósmica?
Imagine um lago claro no meio de uma floresta antiga, longe da civilização. A superfície do lago pode ser calma como um espelho, refletindo o céu estrelado, ou agitada por ventos e tempestades. Isso representa nossa mente, com seus altos e baixos, e pensamentos que vão e vêm como folhas secas. Mas, nas partes mais profundas do lago, onde a luz do sol não chega, existe uma tranquilidade única: essa é a nossa consciência pura, a essência do que somos, que não muda com o tempo.
Assim como a superfície do lago é afetada por fatores externos, nossa mente é moldada por anos de influências sociais, familiares e culturais, criando uma ilusão de separação entre o que observamos e nós mesmos. Isso fragmenta nossa realidade em percepções, julgamentos e medos. Desde pequenos, somos bombardeados por informações muitas vezes contraditórias, guiados por expectativas e modelos de vida. Mas e se a verdadeira sabedoria e a chave para a felicidade estiverem justamente em superar esses condicionamentos e explorar as profundezas do nosso ser?
Quando nos aproximamos da nossa experiência de forma aberta, sem expectativas, preconceitos ou ideias fixas, começamos a perceber o que está presente agora, e descobrimos quem realmente somos. Não existe um manual de instruções pra isso, e estamos constantemente navegando por essa realidade sem mapas claros. Desde cedo, somos condicionados por pais, sociedade, escolas, religiões e ciências a seguir modelos e preceitos de como viver. No entanto, muitas dessas explicações se sustentam, não são convincentes ou abrangentes o suficiente em termos de nossa situação real.
Desde a adolescência, uma inquietação constante me impulsionou a iniciar, aos 15 anos, uma jornada de busca interior. Essa jornada foi longa e complexa, até que, há alguns anos, em um momento de clareza: um vislumbre da consciência observando a si mesma. Essa experiência, embora rápida, foi transformadora. Não era algo mental ou intelectual, mas uma percepção intuitiva que revelou uma presença ampla e ilimitada. Esse insight me impactou profundamente, eliminando a urgência de buscar incessantemente, porque eu tinha entendido perfeitamente o recado.
Durante anos, explorei o mercado espiritual e de autoconhecimento, das tradições budistas ao Quarto Caminho de Gurdjieff e ao Sufismo, passando pelo xamanismo havaiano, entre outras filosofias. Todos esses caminhos foram legítimos, mas muitas vezes projetavam o despertar como algo a ser conquistado. Na verdade, o processo é mais simples e, por isso mesmo, frequentemente desconsiderado. O despertar não precisa ser espetacular ou enfeitado com símbolos grandiosos; luzes e sinfonias, descrições que fazem parte de um imaginário humano moldado por histórias e condicionamentos.
Estamos aqui, agora, como sempre estivemos. Para muitos, viver é uma busca incessante por mais e melhor, uma corrida sem fim, o que escapa à compreensão de muitos, é que não há linha de chegada. Para outras pessoas, viver deve significar mais. As tradições espirituais, frequentemente tratam o ser humano como fundamentalmente falho, e o caminho espiritual é apresentado como um meio de nos consertar. Precisamos nos livrar das emoções negativas e padrões limitadores, perseguindo a melhor versão de nós mesmos, como pregam muitos coaches de autoajuda.
Esses padrões negativos são vistos como obstáculos a serem eliminados antes de que a gente possa atingir uma condição de plenitude ou o tão falado "despertar".
A maioria da espiritualidade moderna foca no auto aperfeiçoamento: melhorar pensamentos, emoções, relacionamentos, abrir o coração e encontrar a paz. Embora essas buscas sejam nobres e possam levar a melhorias significativas, nosso ego pode se apegar a essas metas como uma forma de apaziguamento, um auto engano: "Estamos evoluindo, nos tornando melhores."
A resistência do ego em aceitar a ausência de uma separação clara entre mente e corpo é enorme, quase como uma força gravitacional. Mesmo aqueles que compreendem o processo relatam que essa ilusão de separação é constante.
Já explorei essa questão em vídeos e artigos aqui no Substack "O PSICONAUTA" e também no YouTube.
Será que buscar respostas nas inúmeras prateleiras do "supermercado espiritual" realmente resolve o problema? Será que responde à pergunta fundamental: o que está acontecendo aqui? Qual é a essência disso tudo? Eu realmente sei o que sou? Será que compreendo algo sobre essa condição espantosa em que nos encontramos?
A experiência, ou a presença que percebe, não é transmitida por nenhuma religião ou guru, nem é propriedade deles e de ninguém. Nesta série, vou me ater ao que é puramente humano e universal, uma condição que já está em nós, sem intermediários.
De novo, Quando abordamos nossa experiência de forma aberta, livre de expectativas, começamos a entender o momento presente e quem realmente somos.
A realidade está acessível para ser explorada porque nossa experiência é acessível, real e verdadeira. Nenhuma outra realidade pode ser encontrada. A ciência não explica nada além do que faz parte da experiência de cada cientista. O mundo e tudo nele existem em nossa experiência. Portanto, a experiência é nosso campo de investigação, o verdadeiro laboratório para estudar e investigar aquilo que realmente é.
Somos privilegiados por ter a realidade exposta de forma aberta e nua, pronta para ser examinada, analisada e questionada. A situação já é como é. Está aqui: a luz brilha, a gravidade une tudo, a consciência percebe, o motor está em funcionamento. Assim, desse jeito é que aparece em nossa percepção.
Estamos cientes, de alguma forma, de estarmos conscientes. Mas o que é isso, de fato? Podemos examinar a situação e ver o que ela realmente é.
Ou não, como já disse Bernardo Kastrup, filósofo e pesquisador. Kastrup, que já atuou no CERN e agora lidera a Fundação Essentia na Holanda, propõe uma visão ousada: o universo físico é apenas o aspecto externo de uma consciência universal. Cada pessoa é uma manifestação dentro dessa consciência.
Bernardo Kastrup
Ele argumenta que, se a gente experimentasse totalmente a realidade ao nosso redor, não conseguiríamos lidar com a enorme quantidade, o enorme volume e profusão de estímulos. Nosso cérebro funciona como um decodificador, limitando nossa percepção para torná-la compreensível. Pense em nossa experiência do mundo como pilotar um avião à noite, na chuva, só com o painel de instrumentos como referência.
Não podemos ver o mundo "real" pelas janelas; dependemos dos instrumentos (nossos sentidos) para navegar.
Esse painel é a nossa realidade, mas não é a realidade completa. Nossos sentidos são limitados: vemos apenas uma parte estreita do espectro visual, ouvimos uma pequena amostra do auditivo. Nossa percepção do olfato e audição é mínima comparada à de um cachorro, assim como nossa visão em relação a uma águia e nosso senso de direção como o de tartarugas, tubarões ou aves migratórias por exemplo. Nossos processos neurológicos, pesquisas, viéses, experiências passadas, preconceitos, histórias e memórias também limitam nosso "painel de controle".
Na próxima semana, vamos nos aprofundar mais na teoria de Kastrup e explorar como esses conceitos podem nos ajudar a entender melhor nossa experiência e consciência.
Que o flow esteja com você.
Até sempre.