Fotografia, minha primeira paixão
A fotografia foi o meu primeiro acesso ao mundo da arte e da criatividade, logo depois das redações da escola. - Ensaio do Projeto Fronteira Interior
A icônica Leica
Brasília, Julho de 1977. Férias, 15 anos de idade.
Minha mãe entra em casa e percebe que algo está diferente, o banheiro fechado com pedaços de toalha saindo para fora da porta. Entre assustada e preocupada, certamente irritada por que mantinha a casa impecável, ela solta em alto e bom som:
- Carlos Eduardo! O que você está fazendo aí trancado no banheiro! E que cheiro é esse!
Note que não eram perguntas. E também não era o que você pode estar pensando.
Lá estava eu tentando revelar um filme fotográfico preto e branco que eu havia terminado de usar e tirar da velha câmera do meu pai. O cheiro estranho era da química (revelador e fixador) usada para trazer à vida as imagens daquela tarde. A toalha era um recurso amador para impedir a entrada de luz no banheiro como dava. Essa história rendeu boas risadas e a promessa de que eu iria procurar outro lugar para fazer aquele ritual estranho.
A fotografia sempre foi minha paixão, bem antes do meu primeiro amor na adolescência. Uma conexão que se formou naturalmente, antes mesmo que eu pudesse entender seu significado.
Por volta dos doze ou treze anos, eu passava muito tempo na casa de um grande amigo de infância, cujo pai foi um grande e reconhecido fotógrafo. Na verdade, me dei conta que em algum momento, minhas visitas eram mais para observar o trabalho dele do que para brincar. Era a época do analógico: câmeras pesadas, filmes em rolo, mesa de luz e aquele aroma característico dos químicos de revelação que marcaram minha memória.
O pai dele, o saudoso Luis Humberto - que eu chamava de tio, como era costume com os pais dos amigos - notou meu interesse e começou a me orientar. Foram minhas primeiras "aulas", onde descobri uma verdadeira afinidade: os equipamentos, os processos químicos, a expressão artística. Era uma combinação perfeita de design, literatura e fotografia misturados com o bom humor carioca dele, que vinha do Rio para ser um dos fundadores da UnB, Universidade de Brasília. Ele foi meu primeiro mentor, compartilhando generosamente sua sabedoria e um ponto de vista que só um verdadeiro mestre consegue transferir.
Naquele ambiente, conheci artistas importantes e, e discretamente, presenciei discussões profundas sobre arte, cultura, política e sociedade. Os anos 70 pulsavam ao som de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e no meu caso, também com uma antena apontada para o rock progressivo. Era uma época de resistência cultural, onde a MPB se misturava com o rock que chegava de fora, onde ainda se ouvia Beatles na programação diária das rádios e o tropicalismo deixava suas marcas, assumindo o lugar da bossa nova. As conversas que eu de passagem, de propósito, escutava, giravam em torno da fotografia como arte e linguagem, dos filmes do Cinema Novo, da arquitetura e urbanismo da cidade onde tive o privilégio de crescer (nasci em São Paulo, mas mudei para Brasília com 3 anos de idade - fiquei até meus vinte e poucos anos). O país vivia sob a ditadura, mas a arte como sempre, encontrava suas frestas de expressão. As revistas como "Realidade", na qual o meu mentor era fotógrafo, traziam fotojornalismo de primeira linha, e a fotografia se estabelecia cada vez mais como forma de documentação e denúncia social.
Com dezessete anos, em 1979, participei de um concurso fotográfico sobre o "Espaço Habitado", promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) incentivado por ele, que também era arquiteto. Fotografei o campus onde estudaria em breve -havia passado no vestibular naquele ano - um conjunto arquitetônico moderno com obras de Oscar Niemeyer, aqui algumas imagens da série:
Universidade de Brasília (UnB) - 1979
Universidade de Brasília (UnB) - 1979
Universidade de Brasília (UnB) - 1979
Recebi o prêmio de jovem revelação, com uma das fotos publicada no livro do evento e a série, com 6 imagens, exposta em conjunto com grandes nomes da fotografia brasileira. Ali, naquela noite de abertura da exposição, tive certeza do meu caminho: seria fotógrafo. Sempre gostei de viajar e explorar lugares novos e claro, como leitor assíduo da revista National Geographic, me imaginei unindo minhas duas paixões. Já tinha até algumas experiências de viagem, mas queria mais. Além dos roteiros convencionais para Estados Unidos ou Europa, que todos os meus amigos almejavam, na verdade eu sonhava explorar a Amazônia (que já conhecia um pouco - havia estado lá alguns anos antes, numa viagem pelo Rio Amazonas), queria ver de perto a África, o que acabei fazendo por duas vezes anos depois e a Aurora Boreal, que só recentemente vi de perto. A curiosidade sempre, o fascínio por explorar. Mas…
Dizem que a vida nos oferece não o que queremos, mas o que precisamos. Abandonei a faculdade, já trabalhava com comunicação, mas a fotografia permanecia presente (como até hoje). Porém, o que eu realmente precisava ainda estava por vir. E não seria um caminho fácil.
O que posso dizer é que a paixão foi mantida viva; em 2012, durante 5 ou 6 anos tive grande envolvimento com a produção cultural ligada à fotografia e que me deu uma das maiores alegrias que podia imaginar. Nos tempos do meu mestre, em Brasília, fui apresentado por ele ao trabalho da gigante Maureen Bisilliat, que imediatamente me impactou e para minha enorme surpresa, 40 anos depois, num dos festivais em que estava participando com minha produtora cultural, ela me procura e diz que acompanha meu trabalho e gosta muito. Não precisava mais nada para tomar um susto, puxar uma cadeira, sentarmos e tomarmos o primeiro café de muitos. Ela viria a ser parte da exposição mais importante que produzimos, “Avessos e Paradigmas”, juntamente com German Lorca, Nair Benedicto e Penna Prearo, todos, ícones da fotografia brasileira.
Penna Prearo, Maureen Bisilliat, eu, Fausto Chermont, Nair Benedicto, Ricardo Rojas e German Lorca.
Os anos foram passando, continuo fotografando, agora de forma diferente, mais contemplativa e desprendida da preocupação com o resultado final.
Abracei e me dediquei completamente ao Miksang, a ação fotográfica onde meus olhos, minha mente e meu coração estão alinhados no momento presente, vendo o mundo como ele é ali na hora, como se manifesta e à partir daí, a expressão daquilo que vejo (e sinto) com meu celular ou minha câmera. Percebi também a facilidade com que acesso o estado de flow enquanto fotografo.
Essa mudança no meu jeito de ver o mundo através de uma lente, veio muito alinhada com minha mudança interior e o entendimento sobre a não dualidade como caminho para enxergar nossa real natureza e identidade. Uma pergunta me perseguia, se aquilo que eu percebia era mesmo uma mudança ou seria apenas um retorno a ser quem eu sempre fui e me perdi ao longo dos anos vivendo a ilusão da separação, do ego e dos pensamentos constantes me dizendo o que fazer, o que sentir, um eu condicionado, aliás como todos fomos.
A fotografia quando abraçada desta forma, é genuinamente uma conexão sem nenhum ruído entre o fotógrafo e o assunto fotografado, evidenciando a percepção do todo como uma única coisa, não sujeito e objeto, algo que teimamos em não ver dado o nosso condicionamento (adestramento como diria um amigo) de como “viver a vida” desde que nascemos.
O “flash” da percepção acontece quando o momento, o assunto e eu, somos a mesma coisa ao mesmo tempo, um momento repentino, inesperado e vívido de pura percepção visual, em que experimento o mundo sem ideias ou interpretações preconcebidas, carregadas de julgamentos e crenças e, essencialmente vendo algo "como é" por um breve instante, desafiando meus padrões de pensamento habituais e oferecendo um vislumbre de quem realmente eu e você somos.
Incrível sua experiência! Daria um belo filme kkkk!
Também sempre gostei de fotografar, realmente entramos em flow sem esforço.