Meditação: A Armadilha do Buscador
A Ilusão da Melhor Versão: Por que a meditação não é o que você pensa.
Por que você medita?
Ou ainda, por que quer começar a meditar?
O que você realmente está buscando?
Aquietar a mente? Controlar seus pensamentos? Tornar-se a “melhor versão” de si mesmo, seja lá o que isso signifique?
Lamento informar, mas nenhuma dessas coisas é possível, mesmo com a meditação mais disciplinada, diária e impecável.
"Meditação não é o que você pensa", dizia outro dia um meme engraçadinho - e talvez seja exatamente isso.
Muitos de nós embarcamos nessa jornada movidos pela promessa sedutora de nos tornarmos melhores seres humanos. Para muitos, a meditação parece ser a porta de entrada perfeita — ou quem sabe o portão de embarque, com destino à felicidade, equilíbrio e paz interior. ;)
Ela vem em diversos modelos, marcas, tons e sabores, todos devidamente catalogados nas prateleiras cintilantes do imenso supermercado espiritual.
Das práticas mais simples e gratuitas às mais complexas e absurdamente caras, todas elas acabam perpetuando — mesmo que sem querer — nossa dependência de algo externo ou de alguém que nos indique caminhos, soluções ou respostas. A indústria da espiritualidade oferece produtos e palavras cuidadosamente embalados para aliviar dores, angústias e sofrimentos que, minuto após minuto, tentamos ignorar ou superar.
Mas vamos direto ao ponto: meditar é, antes de tudo, prestar atenção.
E não apenas prestar atenção à respiração, como tantas práticas ensinam. Não se trata só do mantra que repetimos, do objeto que observamos fixamente ou do som ambiente que ouvimos. É algo além, algo mais sutil e ao mesmo tempo muito mais profundo e simples.
Meditação é prestar atenção ao que está acontecendo ao nosso redor, exatamente agora, neste momento. Seja na fila do banco, na sala de espera do médico ou enquanto escolhemos tomates maduros no supermercado. Não importa onde você esteja.
Pode ser no meio do caos da Rua 25 de Março ou no silêncio de um Ashram em Deli; é tudo a mesma coisa.
O ponto crucial aqui é percebermos, finalmente, que o que buscamos não está lá fora, escondido em algum lugar distante ou exótico. Está dentro. Essa iluminação, esse despertar tão desejado, transformado em "Santo Graal" pelos abundantes místicos “moderninhos”, simplesmente não existe como algo externo a ser conquistado.
O verdadeiro despertar é justamente perceber a ilusão de que precisamos ou podemos ser melhores do que já somos, ou de que sempre há algo mais a ser feito, alcançado ou descoberto. Não caia nessa armadilha.
Nós já temos tudo o que precisamos. O desafio é remover as camadas e véus de ilusão que nos confundem, que nos fazem acreditar na separação, na existência sólida de um ego, e nos convencem de que nossos pensamentos são o que somos realmente.
O despertar genuíno é, portanto, um relembrar, um retorno à nossa própria Consciência, que se volta para si mesma e se reconhece. Consciência com C maiúsculo aqui é proposital — sempre faço essa distinção clara entre estar consciente (algo passageiro) e perceber a Consciência (algo permanente e essencial).
Da próxima vez que você se sentir tentado a comprar aquela viagem espiritual, aquele retiro de meditação especial ou aquele curso que vai mudar a sua vida, pense; ou não. Intuição nessas horas pode ajudar, se você souber como ouvi-la.
No grande supermercado espiritual, há de tudo um pouco: meditação quântica? Temos. Mindfulness regenerativo, respiração xamânica, meditação dos mestres ascensionados? Temos também.
Viagens a lugares sagrados, encontros com gurus e mestres que se colocam nessa posição e, de fato, gostam bastante dela, afinal seguidores e fãs sempre estão dispostos a pagar pela certeza de que há saída, de que lá na frente, se formos dedicados de verdade e continuarmos comprando os cursos e retiros, encontraremos a “iluminação” ou a “salvação”.
Seguidores que idolatram gurus como pequenos deuses iluminados caminhando sobre a terra. Livros, áudios, vídeos, fotos autografadas, colares energizados, cristais sagrados e até mesmo, como diria uma amiga, ‘o combo completo: guru, mantra e a faxina energética do lar incluída’.
O problema, porém, não está no processo de marketing em si, mas no público-alvo: pessoas que precisam desesperadamente que alguém lhes diga que conhece o caminho, que tem a solução ou a alternativa perfeita para suas vidas aparentemente pobres e vazias, a distração nobre para almas inquietas que preferem rituais caros à coragem de se olhar no espelho. São pessoas com recursos e bens materiais, mas que sentem profunda e inexplicável falta de algo que não conseguem nomear. E embarcam na viagem do “materialismo espiritual” seguindo na mesma espiral descendente do materialismo em si. Apoiados e incentivados pelo ego.
O Ego Também Medita
E ele adora quando você busca algo que nunca vai encontrar.
"Algo está faltando e eu não sei o que é…", suspira o incauto, enquanto o ego sorri satisfeito por ter emplacado mais uma busca ilusória, mantendo aquele "buscador" ocupado, distraído e protegido da compreensão desconcertante de que tudo isso é irreal.
Os anos passam rápido demais, e muitos fazem check-out dessa vida sem a menor noção de que a verdadeira realidade passava longe da expectativa do "ter" e habitava silenciosamente no entendimento profundo do "ser".
Nada disso é necessário: já aparecemos neste mundo com absolutamente todos os recursos de que precisamos. Mas reconhecer isso exige uma espécie de "morte em vida" — uma morte simbólica das nossas crenças, ilusões e autoenganos. Não será uma vida muito diferente, as alegrias e sofrimentos seguirão acontecendo porque assim é a vida, a diferença estará na maneira de lidar com ela, sem distração, desvios ou negações.
A grande ilusão começa cedo, lá atrás, e nos acompanha pela vida inteira, a menos que, por um choque inesperado, por um sofrimento extremo ou por uma mera obra do acaso, sejamos abruptamente ejetados dessa hipnose coletiva. Nesse momento surge, enfim, a compreensão clara e cristalina da nossa real natureza: não somos o ego nem o corpo, mas sim algo muito maior e muito mais simples ao mesmo tempo.
Somos Consciência desperta observando, animando este veículo temporário, sem julgar ou interferir.
Uma Consciência presente, equânime e serena, que alguns chamam também de amor incondicional. Isso não é religião, não é filosofia, não carrega dogmas. É simplesmente aquilo que É.
E isso basta.
"Sim, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara."
- O Grande Lebowski
A meditação deveria ser prática direcionada ao Despertar mas como você bem colocou ela está envolta em uma ilusão gigantesca. Medito de forma desorganizada há anos. Meus maiores “despertares” foram ao descobrir os estados de consciência e que já os temos disponíveis, aliás não dá para fugir deles. Mas há uma indústria e ela não tem compaixão verdadeira para com quem compra seus produtos