Durante muitos anos me sentei disciplinadamente para praticar diferentes formas de meditação. Consigo me ver ainda menino, nos anos 70, com 14 ou 15 anos, fascinado com exercícios simples, mudras (posições de mãos e dedos usadas na yoga e práticas meditativas), movimentos que pareciam quase mágicos, como uma “levitação da mão”, que aprendi no Método Silva de Controle da Mente e me lembro até hoje.
Olhando para trás, a impressão é de que são superficiais, até tolos, mas naquele tempo tiveram uma função real, abriram uma porta que eu nem sabia existir. Costumo a me incomodar com a palavra “busca” porque ela me dá a indicação de que existe algo lá fora a ser conquistado, quando tudo sempre esteve aqui. Ainda assim, passei mais de 40 anos “buscando” até atravessar a fronteira inexistente para dentro de mim.
Nesse caminho mergulhei em tradições diversas, do xamanismo havaiano e norte-americano ao Quarto Caminho de Gurdjieff, que me abriu o acesso ao Eneagrama, passando pelo Tao e pelo Zen. Fui, sem dúvida, um buscador aplicado. E cada uma dessas experiências, por mais díspares que pareçam, foi afiando a minha atenção, me deixando pronto para um instante que mudaria tudo, sem aparentemente mudar nada.
Esse instante não teve nada de místico nem de espiritual. O “despertar”, que prefiro chamar de “lembrança”, ou o reconhecimento da nossa verdadeira natureza, não carrega a aura esotérica que é atribuída ao longo de milênios. Essa associação se criou porque o assunto sempre esteve restrito a poucos, enquanto a maioria permanecia distraída com o que ainda em tempos atuais, é considerado importante.
No meu caso, talvez por ter treinado a atenção por tantos anos, o reconhecimento veio de forma abrupta, como o clique de uma máquina fotográfica. Durou nada, mas deixou uma marca indelével, não apenas no que o corpo sentiu de forma instintiva, mas também na mente que não foi acionada no ato, só depois, tentando explicar o que havia acontecido, como fazemos com tudo na vida. Mudou tudo e não mudou nada.
A vida seguiu exatamente a mesma, com tudo o que ela nos apresenta, das boas coisas aos momentos mais difíceis, mas havia algo irreversível ali: a certeza de que nunca estivemos separados, nunca nascemos, nunca morremos, sempre estivemos aqui.
Essa revelação não passa pelo intelecto. Não é racionalizada nem ponderada, apenas sentida, de forma visceral, instintiva, impossível de ser apagada. Depois dela, os futuros imaginários perdem força, a ruminação mental de momentos passados se dissolve, e o presente se mostra como a única realidade possível.
A não dualidade pode ser dita de muitas formas, mas talvez a mais direta seja essa: não há separação entre sujeito e objeto. Ambos se revelam como expressões de uma mesma Consciência, absoluta, desperta, presente. A maior dificuldade nesse processo é reconhecer que não existe um sujeito olhando um objeto, nem um objeto sendo olhado por um sujeito. O que existe é a percepção de ambos ao mesmo tempo, como se viesse de um ponto de vista impossível, interno e externo de uma só vez.
Dou um exemplo simples. Imagine-se dirigindo um carro por uma rua, com árvores, pessoas e outros carros passando. Agora imagine o contrário, você parado, e são as árvores, as pessoas e os carros que passam diante de você. Quando invertemos aquilo que nos parece natural, surge algo inesperado, uma neutralidade que não pode ser nomeada.
Foi algo parecido que Douglas Edison Harding, filósofo inglês, chamou de “The Headless Way , o Caminho SemCabeça”. Ele dizia que, no lugar da nossa cabeça, está o mundo. É quase cômico de tão simples. Aqui no estúdio onde escrevo, posso apontar para a janela, para a máquina de escrever, para a tela do computador, para a luminária. Mas, quando aponto para a minha própria cabeça, não vejo nada, apenas um espaço vazio no qual tudo está presente. Foi assim que Harding percebeu: não há separação entre observador e observado, somos um com a Consciência.
Talvez a forma mais clara de perceber isso seja imaginar que não somos nada do que acreditamos ser. Recebemos um nome, damos nomes às coisas, construímos uma história, família, trabalho, lembranças. Mas tudo isso poderia ter sido outro Cadu, em outro país, em outra época, em condições muito mais duras. Uma loteria.
Se deixarmos de lado por um instante, nosso nome, nossa história, as circunstâncias de nossa vida até aqui, nossas memórias do passado e expectativas de futuro, o que sobra?
Nada.
E é nesse nada que tudo aparece.
"É, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara."
- O Grande Lebowski