O futuro não te deve nada
Livre-arbítrio, tempo e a impossibilidade de criar o que ainda não é.
A calma brutal de saber que nada depende de você.
Já imaginou não precisar se preocupar com o futuro? Não por resignação, nem por uma postura “espiritualizada” de aceitação passiva, mas por uma constatação simples:
O futuro não existe.
Não pode ser previsto, muito menos controlado. E, apesar de todos os discursos sobre visualização criativa, mentalização e planejamento estratégico, a verdade é que não há como moldar o que ainda não é. A noção de que somos autores conscientes do que está por vir é mais uma dessas ficções sofisticadas que alimentamos para manter uma sensação de ordem num universo que, essencialmente, escapa à nossa compreensão.
Se essa afirmação soa radical demais, não se preocupe. Também achei absurda na primeira vez que me deparei com ela. Reagi como talvez você esteja reagindo agora, com descrença, desconforto ou até um certo desprezo. Não faltam argumentos internos que se levantam, prontos para defender a lógica do livre-arbítrio. A ideia de que somos donos das nossas escolhas é profundamente enraizada, quase inquestionável. Afinal, crescemos ouvindo que somos o resultado direto de nossas decisões. Repetimos isso em livros, palestras, discursos motivacionais. Eu mesmo já disse isso em público, diversas vezes, com convicção. Era um argumento que funcionava bem. Mas sempre me deixava com uma sensação incômoda, difícil de ignorar. Como se algo não se encaixasse.
Com o tempo, esse incômodo se transformou em curiosidade e, depois, em uma espécie de rachadura na estrutura do pensamento. Comecei a observar, com mais honestidade, o que realmente acontecia comigo. O que eu chamava de escolha, muitas vezes, parecia apenas uma resposta automática a condicionamentos, contextos, emoções, expectativas, padrões que eu não havia escolhido ter. Como se eu estivesse sendo vivido pela vida, e não o contrário.
Não estou dizendo que somos marionetes totalmente passivas. Mas talvez não sejamos tão protagonistas quanto gostamos de acreditar. O simples fato de estarmos constantemente reagindo ao que acontece ao nosso redor - desejos que surgem, pensamentos que nos invadem, emoções que se impõem sem aviso, já deveria ser suficiente para nos fazer desconfiar da tal autonomia plena.
E isso nos leva de volta ao ponto central:
Não é possível criar o futuro porque ele, literalmente, não está aqui. E o passado, embora pareça sólido, também não passa de um conjunto de registros mentais imprecisos, imagens, sensações, interpretações. Ambos, futuro e passado, só existem enquanto são lembrados ou projetados no presente.
Só podem ser experimentados agora. Este agora. O único espaço em que qualquer coisa realmente acontece.
É curioso como resistimos a essa obviedade. Continuamos agindo como se o tempo fosse uma estrada contínua e objetiva, quando, na verdade, é uma construção mental. Uma ficção útil, sem dúvida, mas ainda assim uma ficção. Servimos a ela como se fosse real, sacrificando nossa presença em nome de algo que nunca chega, ou já passou.
Se você parar por um instante e observar, vai perceber. Neste exato momento em que lê estas palavras, há de fato algum problema acontecendo, alguma necessidade real? Não um problema ou necessidade previstos, nem um que está na lembrança - mas um problema real, concreto, aqui e agora? E mesmo que haja algo desconfortável presente, observe com atenção: ele precisa de mais do que a sua atenção? Precisa do seu medo, da sua antecipação, da sua tentativa de escapar dele através do pensamento?
Enquanto escrevo, não há espaço para mais nada além deste ato de escrever. Cada palavra que surge ocupa completamente o momento e, logo depois, desaparece. Assim como tudo. Cada instante se forma e se dissolve, sem esforço, sem projeto. O tempo é, nesse sentido, uma sequência de desaparecimentos. E o que chamamos de passado e futuro é só um jeito de costurar esse desaparecimento com uma narrativa. Nada além disso.
O problema não é ter uma narrativa. O problema é acreditar que ela é real. Ou pior: acreditar que você é ela.
Não espero que você concorde com tudo isso e nem quero convencer ninguém. Meu interesse é provocar uma brecha. Uma falha na repetição automática de ideias que já não nos servem mais, mas que seguimos carregando por medo de ficarmos sem chão. Pois é exatamente nesse chão que desaba que, às vezes, algo mais verdadeiro se revela.
Só cuidado para não confundir o que você pensa com o que você é. Esse é o golpe mais bem dado pela mente. E o mais difícil de perceber.
"É, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara."
- O Grande Lebowski