Como o tema da meditação abordado no ensaio anterior gerou alguns debates interessantes, resolvi me aprofundar um pouco mais aqui.
Desde que tive contato com as práticas meditativas, formei uma imagem muito específica na minha mente: a de que tais práticas seriam caminhos de melhoria pessoal, capazes de me conduzir a algum tipo de progresso mensurável na jornada espiritual.
Afinal, os mestres e gurus que cruzaram meu caminho — figuras que já tinham passado por anos de treinamento — me pareciam quase “iluminados”. Me impressionavam. Havia algo no olhar, na calma, na forma como falavam, que me fazia acreditar que estavam em um patamar elevado, distante. Isso só reforçava meu empenho durante as práticas, como se cada hora sentado em silêncio, cada retiro frequentado, me aproximasse de algo maior, mais importante e profundamente revelador.
A doce ilusão de que eu estava evoluindo.
E não estou sozinho. Todos os "buscadores" se colocam, em algum momento, nesse lugar: fantasiando esperançosos alcançar o nirvana, o satori, ou qualquer que seja o nome dado pela tradição que escolheram seguir.
Mas aqui está o ponto central — e o grande engano: a sensação de estar progredindo, ou mesmo de estar estagnado, é em si um jogo da mente. Um truque. Um paradoxo. Porque, na verdade, não há progresso possível quando se trata da Consciência.
O verdadeiro “avanço” — se é que podemos chamar assim — é justamente abandonar toda ideia de progresso. Não se trata de desistir, mas de transcender a busca. Reconhecer que a Consciência já está aqui, agora, plena, do jeito que é. Não há como chegar mais perto dela, nem como “desenvolvê-la”. O que existe é o simples e profundo ato de reconhecer, com abertura e clareza, que tudo o que acontece já é parte dessa Consciência.
A meditação, então, não é uma escada para o alto. É uma entrega. É o notar, o perceber. A cada instante, sem julgamento. Com leveza. Com presença. Cada experiência — agradável ou desconfortável — é como tem que ser. A prática está em perceber isso. Só isso. E isso é tudo.
Demorei muito para compreender essa simplicidade. E, como acontece com quase tudo que é profundamente verdadeiro, essa percepção soa até pueril — tão óbvia que muitos a desconsideram. Mas é ali, nesse lugar quase infantil de abertura, que reside a genuinidade da experiência meditativa.
Notar é a prática. O ato de perceber o que acontece, agora. Não há caminho a percorrer, nem linha de chegada a cruzar. Apenas a vida acontecendo, momento a momento.
Minha mente não para. É um redemoinho de ideias, muitas vezes desconexas, que de repente ganham forma, se encadeiam, contam histórias cheias de detalhes e emoções. Às vezes, essas histórias são tão vívidas que parecem memórias reais de algo que nunca aconteceu. E nessas, me pego ansioso, receoso, como se pudessem se tornar realidade.
Sabemos: nossa mente presta muito mais atenção aos riscos, aos perigos. Um legado do processo de evolução. Sobrevivência. E as redes sociais, as empresas online, aprenderam a explorar isso com perfeição — mantêm nossa atenção fixada no que ameaça, no que pode dar errado.
Quantas vezes me vi mergulhado nesses cenários mentais sombrios, imaginando consequências catastróficas que nunca chegaram. E, no entanto, no meu corpo, tudo já era realidade. Ansiedade, medo, paralisia. Tanta energia gasta. Tanta vida não vivida. Sensações de impotência, pequenez, incompetência.
Corta para hoje.
Olho para trás com gratidão. Aqueles momentos escuros foram grandes aprendizados. Sem eles, eu não teria construído os pontos de referência internos que me permitiram seguir explorando o que eu já desconfiava desde criança. Foram essas travessias que me levaram à percepção da vastidão infinita da Presença Consciente — algo que só consegui vislumbrar ao cruzar uma fronteira interior que, ironicamente, nunca existiu.
Demorou. Mas o tempo, nesse contexto, é irrelevante.
Tempo é um alívio mental. Uma invenção que nos ajuda a suportar o fluxo da vida, como se estivéssemos indo a algum lugar. Mas se não tivéssemos memória, a ideia de tempo seria inútil. Toda percepção — inclusive a do passado e do futuro — acontece aqui. Agora. Nesse instante. Sempre nesse instante.
A vida é uma sucessão de pequenos “agoras”. Cada momento, aparentemente banal, corriqueiro, carrega o todo. A eternidade, num átimo.
Só conseguimos perceber isso a partir desse “artefato” corpo/mente que chamamos equivocadamente de “eu”. Somos como sondas — instrumentos através dos quais a Consciência Desperta experimenta a vida.
Sim, somos como estações repetidoras de rádio, captando estímulos internos e externos, retransmitindo tudo num grande fluxo de presença contínua. Uma dança entre o impermanente e o eterno, entre o observador e o observado, entre o nada e o tudo.
Não há distância entre aqui e lá.
E talvez, no final, tudo o que reste seja isso:
Notar, perceber e chegar a lugar nenhum.
"Sim, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara."
- O Grande Lebowski
Também viajei no seu post, lembrando-me de Raul Seixas. Na verdade o carimbador maluco é a sina de uma ausência de liberdade. E se eu desejar ir a lugar nenhum? Não preciso do seu carimbo, aprovação ou autorização. Sou livre, e não vou a lugar nenhum.