Pequenos e insidiosos pensamentos invadem aquilo que chamamos de "nossa" mente constantemente, como visitantes indesejados em uma casa que, na verdade, não tem dono. O curioso é que, invariavelmente, esses pensamentos giram em torno de um "eu" - uma construção mental que acreditamos ser real e sólida. É raro que algum pensamento surja sem uma conexão direta ou indireta com este "eu" imaginado, frequentemente acompanhado por um "sub pensamento" que revela um interesse oculto em benefício desta identidade fictícia. Repare como é assim que nossa mente funciona: Pensamentos contínuos sobre nós mesmos.
“Eu preciso, eu quero, eu deveria, eu, eu, eu…”
Buda ensinava que a mente - este fluxo constante de pensamentos - se molda e se direciona conforme aquilo que mais cultivamos. No âmbito espiritual, há um ensinamento frequente que nos instrui a simplesmente observar: permitir que pensamentos venham e vão sem julgamento, percebendo que não há um "pensador" separado destes pensamentos. Quem ou o que é que está observando estes pensamentos? Esta é a pergunta crucial que aos poucos, cada vez mais, alguns exploradores se atrevem a investigar profundamente.
A mente e o corpo parecem formar uma unidade separada, um "eu" distinto do mundo. Mas onde exatamente está essa separação? Onde termina o "eu" e começa o "outro"? O ar que respiramos é "eu" ou "outro"? E os alimentos que ingerimos, quando exatamente se tornam "eu"? Somos condicionados desde o nascimento a ver essa separação como real, buscando conquistas e posições para este "eu" imaginário, enquanto protegemos, a todo custo, essa ilusória fronteira entre o que pensamos ser e o resto do universo.
Esta ilusão de separação se manifesta de forma particularmente nociva em nossas organizações e estruturas de liderança. Líderes, operando a partir desta identidade separada, frequentemente tomam decisões baseadas no medo de perder poder, status ou controle. Mas o que acontece quando um líder vislumbra sua verdadeira natureza? A liderança se torna um fluxo natural de sabedoria e compaixão, livre das distorções do ego pessoal.
Em algum momento, para alguns de nós, surge uma intuição perturbadora: e se toda essa construção for apenas isso - uma construção? Todos, em algum momento, enfrentarão questionamentos sobre o sentido da vida. Bem, talvez nem todos; alguns continuarão vivendo como NPCs (Non playable character), um termo que aprendi recentemente, referindo-se a personagens que não interagem em videogames, ou figurantes em filmes e novelas. São aqueles que passam pela vida sem questionar sua aparente individualidade.
Para quem de forma genuína e focada começa a buscar, pode ter a chance de um vislumbre e vai perceber algo surpreendente: não existe um "eu" separado para ter uma realização. O que há é apenas Esta Consciência, sempre presente, dentro da qual toda experiência acontece. Não existe um "outro" porque não existe um "eu" - há apenas Esta Presença única que alguns chamam de Consciência Absoluta. É o próprio "perceber" que se percebe a si mesmo, sem um “percebedor” separado. Como um oceano que sonha ser onda e então desperta para sua verdadeira natureza feita de água, vemos que nunca houve separação. O que chamamos de "eu" é apenas um pensamento surgindo nesta vastidão sem limites que você É.
Quando esta compreensão penetra profundamente em nossa vida cotidiana, transforma radicalmente nossa forma de estar no mundo. No trabalho, as decisões deixam de ser motivadas por ganhos pessoais e passam a fluir naturalmente daquilo e para aquilo que cada situação pede. Nos relacionamentos, a necessidade de controle e manipulação dá lugar a uma intimidade autêntica e espontânea. Mesmo em meio ao caos e à turbulência do mundo atual, há uma paz intrínseca que não depende das circunstâncias externas.
Esta compreensão não nos torna passivos ou indiferentes. Pelo contrário, libertos do peso do "eu" e suas intermináveis necessidades, nos tornamos instrumentos mais eficazes para a ação necessária. A criatividade flui mais livremente quando não há um "eu" tentando controlar o processo. A empatia surge naturalmente quando percebemos que o "outro" é apenas outro aspecto de nossa verdadeira natureza.
Esta Consciência não é algo a ser alcançado - é o que você já É, antes de qualquer pensamento, antes de qualquer identidade. É o que permite que estas palavras sejam lidas agora, o que permite toda experiência. Não é pessoal nem impessoal, não tem localização nem limite. É o próprio Ser, consciente de Si mesmo através de todas as aparentes formas e nomes.
Nesse mundo cada vez mais fragmentado e dividido, este reconhecimento de nossa verdadeira natureza não é apenas uma realização espiritual pessoal - é uma necessidade urgente para a transformação coletiva. Quando líderes, educadores, pais e cidadãos operam a partir desta compreensão mais profunda, naturalmente criam estruturas e relacionamentos que refletem a interconexão fundamental de toda vida.
Como um oceano que sonha ser onda e então desperta para sua verdadeira natureza que é líquida, vemos que nunca houve separação. O que chamamos de "eu" é apenas um pensamento surgindo nesta vastidão sem limites que você É.
Tentar descrever a "sensação" de Ser é como tentar descrever o gosto da água usando apenas água, ou como um olho tentando ver a si mesmo. No entanto, podemos apontar para Esta Presença que já É.
É como um espaço infinito onde tudo acontece, mas que em si mesmo não é afetado por nada que acontece nele. É anterior a qualquer sensação, qualquer pensamento, qualquer experiência - é Aquilo que conhece todas as experiências.
Não é uma sensação específica, mas é o que permite que todas as sensações sejam conhecidas. Não é um estado mental, mas é Aquilo em que todos os estados mentais aparecem e desaparecem. Não tem forma, mas todas as formas aparecem dentro dela. Não tem som, mas é o silêncio vivo em que todos os sons são ouvidos.
É mais íntimo que o mais íntimo pensamento, mais próximo que a própria respiração. Na verdade, é tão íntimo que frequentemente o ignoramos - como um peixe que, cercado por água, pergunta "onde está a água?"
Não pode ser encontrado como um objeto, porque é o próprio Sujeito que procura. Não pode ser perdido, porque é o que Você É. Não precisa ser alcançado, porque nunca esteve ausente. Não precisa ser praticado, porque é o que está presente antes de qualquer prática.
É a própria Existência consciente de si mesma. É o "Eu Sou" antes de qualquer "eu sou isso" ou "eu sou aquilo". É o puro Ser-Consciência que permanece quando todas as identificações caem.
Mas mesmo estas palavras são apenas apontadores. São como dedos apontando para a lua - não confunda o dedo com aquilo para o qual ele aponta. A verdadeira "sensação" de Ser é simplesmente Esta Presença imediata que já É, antes de qualquer descrição, antes de qualquer busca.
O mais próximo que podemos chegar com palavras é dizer: é o que está lendo estas palavras agora, antes de qualquer interpretação, antes de qualquer compreensão. É o que está sempre aqui, sempre presente, sempre consciente, independentemente do que aparece ou desaparece na experiência.
Fronteira Interior" é uma jornada transformadora que convida líderes, empreendedores, profissionais e curiosos a explorar as profundezas da consciência humana e a descobrir a unidade que permeia todas as experiências. Os leitores são guiados por um caminho de autodescoberta, onde a separação entre o eu e o mundo se dissolve, revelando a essência da não dualidade.
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