Há incômodos que não gritam, apenas vibram por dentro, como uma frequência que o corpo reconhece antes da mente. Às vezes não sabemos de onde vêm, nem o que pedem, apenas sentimos que algo se move lá no fundo, a vida nos lembrando de algo que esquecemos pelo caminho.
A inquietação surge aos poucos. Vem do nada, discreta, uma sensação difusa de incômodo com algo que não consigo nomear. Fica ali, no fundo, como o zumbido distante de um transformador de rua. Se ignoro, ela se dissolve no ruído ambiente da vida, mas basta lembrar para que volte inteira, como se nunca tivesse ido. O problema é justamente esse: lembrar… Pensar no incômodo.
Ao perceber isso, vieram à mente outras situações desconfortáveis, às vezes angustiantes, pelas quais todos passamos. Elas também passam. Tudo passa. Buda tinha razão ao falar da impermanência, e Heráclito ao dizer que tudo flui. Mas então, por que sofremos?
O sofrimento não está no fato em si, mas na ruminação do incômodo, na memória insistente que o reaviva. É o pensamento que traz esse incômodo de volta, sempre deslocado no tempo, projetando o passado ou o futuro e nos arrancando do presente. Esse equívoco é antigo, humano, quase instintivo. Quando lembramos de algo doloroso, ou mesmo de algo feliz, o corpo reage como se estivesse vivendo aquilo agora.
O cérebro não distingue o real do lembrado; a memória aciona os mesmos gatilhos químicos. Noradrenalina e cortisol inundam o sistema, e reagimos a fantasmas com a mesma intensidade de quem encara o perigo diante dos olhos neste exato momento.
Lembrar do passado ou imaginar um futuro incerto tem o mesmo efeito. É por isso que os pensamentos, quando vistos em sua natureza transitória, perdem o peso. Eles se dissolvem sob o olhar da Consciência. Se eu realmente fosse o autor dos meus pensamentos, escolheria apenas os bons. Mas eles simplesmente acontecem.
Então a conclusão é simples e radical: não pense.
Não falo dos pensamentos práticos, que resolvem um problema imediato ou planejam o que precisa ser feito, mas dos ruminativos, dos que constroem histórias trágicas sobre nós mesmos, repetindo o velho “por que sempre comigo?”. Esses são os que nos aprisionam.
Há um exercício simples que inverte o jogo e coloca a mente a nosso serviço, não no comando. Escolha deliberadamente lembrar de uma situação de estresse, um episódio que tenha despertado raiva ou ansiedade. Reviva esse com detalhes. Deixe que as imagens percorram corpo e mente até sentir o desconforto crescer. Observe a tensão no peito, o maxilar travado, o plexo solar rígido e quente. E então, sem hesitar, evoque uma lembrança de alegria ou realização. Veja o que acontece.
O corpo relaxa. O óxido nítrico dilata os vasos, a dopamina circula, e a percepção muda, sem que nada do lado de fora tenha mudado. Essa experiência simples prova que podemos criar, a qualquer instante, a realidade do momento presente - o único que existe.
Não há razão para acreditarmos que somos nossos pensamentos ou nossa mente. O ego, assim como o nome, a profissão, o passado, as conquistas e os fracassos, é apenas uma construção mental, uma narrativa transferida para nós desde o nascimento. Não há culpados, apenas um mecanismo herdado do córtex pré-frontal, que prevê, julga e antecipa para garantir sobrevivência. Nos vermos como separados do mundo foi vital para nossos ancestrais. Ainda é útil para funcionarmos em sociedade, mas se torna um fardo quando buscamos segurança, poder ou sentido nessa identidade ilusória.
Usada como ferramenta, e não como um dono, um mestre, a mente pode servir à clareza. Quando percebida à luz da nossa natureza não dual, ela se integra ao que sempre esteve aqui: o simples estar consciente.
Assim, deixamos de perseguir uma linha de chegada que não existe e paramos de tentar ser a “melhor versão” de algo que nunca esteve ausente.
Não há fronteira para a viagem interior.
Tudo acontece antes do pensar.
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