Orwell Temia a Opressão, Huxley o Entretenimento – Acertaram os Dois
Entre o medo e a distração, perdemos a capacidade de perceber o que realmente importa.
"O que Orwell temia eram aqueles que proibiriam os livros. O que Huxley temia era que não houvesse razão para proibir um livro, porque não haveria ninguém que o quisesse ler. Orwell temia aqueles que nos privariam de informação. Huxley temia aqueles que nos dariam tanto que ficaríamos reduzidos à passividade e ao egoísmo. Orwell temia que a verdade nos fosse ocultada. Huxley temia que a verdade se afogasse num mar de irrelevância. Orwell temia que nos tornássemos uma cultura cativa".
Neil Postman em Amusing Ourselves to Death de 1985

O que Neil Postman previu ao comparar as visões distópicas de Orwell e Huxley em 1985 se revela hoje como um paradoxo fundamental: não vivemos apenas um cenário ou outro, mas uma fusão perturbadora de ambos. Esse paradoxo inicial — a coexistência da escassez de significado e da superabundância do trivial, do superficial, — define nossa era. A verdade, em vez de ser apenas ocultada ou manipulada, desaparece no excesso de informação irrelevante. Somos prisioneiros não por correntes visíveis, mas por algo mais sutil: a ilusão de liberdade dentro de uma prisão de algoritmos construída por nós mesmos.
Este paradoxo se aprofunda quando percebemos que nossa busca por identidade individual nos afasta da compreensão de nossa verdadeira natureza não-dual. Quanto mais nos isolamos em bolhas informacionais personalizadas, mais perdemos o senso de conexão com o todo. O "eu" que defendemos com tanto ardor é, na perspectiva não-dual, uma construção ilusória, alimentada e fortalecida pelos próprios sistemas que pretendemos combater.
Estamos diante de um tipo de governança híbrido e contraditório, onde o poder estatal e o poder tecnológico dos algoritmos não se opõem, mas se complementam. Este é talvez o paradoxo mais cruel: acreditamos lutar contra forças externas quando, na realidade, somos parte integrante do sistema que nos oprime. A recente ascensão de práticas tecnocráticas, particularmente sob a administração Trump, não representa apenas uma transferência de poder político, mas um deslocamento para um modelo onde os algoritmos, controlados pelos novos barões tecnológicos, tornam-se substitutos da própria política.
Esta nova ordem, que alguns chamam de "tecnofeudalismo", encarna o paradoxo digital supremo: uma "paralisia do despertar digital." Estamos mais informados que nunca, mas cada vez menos capazes de agir; mais conectados, mas profundamente isolados; mais "livres" para escolher, mas cada vez mais temos nossas “escolhas” direcionadas por forças que sequer reconhecemos. Os algoritmos moldam nossas escolhas, redefinem o próprio terreno da consciência, limitando o que podemos ver, pensar ou questionar.
O controle algorítmico manifesta-se em três dimensões paradoxais. Primeiro, na manipulação personalizada, onde os algoritmos nos conhecem melhor que nós mesmos, o que nos torna estranhos para nossa própria natureza essencial. Segundo, na fragmentação social proposital, que nos isola enquanto promete conectar (foi assim quando a internet surgiu), impossibilitando o diálogo genuíno e a compreensão mútua.
E, finalmente, no deslocamento do poder, em que decisões políticas vitais são transferidas para sistemas automatizados, demissões de servidores públicos, extinção de agências governamentais entre outras medidas que claramente, afastam o poder das mãos dos cidadãos. As duas primeiras formas já aconteceram, a terceira começa a ganhar corpo agora com Lord Musk em ação, atuando no desmonte da responsabilidade institucional de um estado.
Ainda assim, o grande paradoxo da não-dualidade oferece uma alternativa radical: quanto mais nos entregamos à ilusão da separação, mais urgente reconhecer a nossa interconexão fundamental. A chave para superar essa passividade não está em acumular mais informação ou em reagir às manipulações externas, mas em uma profunda mudança de perspectiva — um salto da consciência que transcende a dualidade aparente do controlador e do controlado.
Ao reconhecermos que não somos entidades isoladas, mas expressões diversas de uma consciência única e interconectada, começamos a perceber que o próprio paradigma do controle é ilusório. A verdadeira alternativa à manipulação dos algoritmos não é simplesmente resistir ou desligar-se, mas despertar para nossa natureza não-dual. Nessa perspectiva, a luta pela liberdade não é mais uma batalha contra forças externas, mas sim um processo de autodescoberta coletiva, uma manifestação da nossa interdependência essencial.
Este despertar não é apenas filosófico, mas profundamente político e prático. Exige uma "resistência cognitiva" — não apenas contra os algoritmos externos, mas contra os algoritmos internos que mantêm a ilusão da separação. Precisamos questionar não apenas o que os sistemas digitais nos mostram, mas como eles moldam nossa própria percepção de identidade. Essa “resistência” é urgente, o mundo precisa de uma consciência que vá além da falsa dicotomia entre o conforto cognitivo e a busca pela verdade, entre a passividade e o engajamento.
A verdadeira liberdade não está em escolher entre opções pré-determinadas, nem mesmo em criar novas alternativas, mas em reconhecer que todas as escolhas são manifestações de uma única consciência que nos perpassa e conecta. Quando esse entendimento acontece, já não somos prisioneiros de sistemas de controle ou algoritmos; somos livres não porque tomamos decisões "melhores", mas porque transcendemos a própria ilusão da separação, que torna o controle possível.
O paradoxo final, talvez o mais libertador, é que nossa verdadeira identidade emerge justamente quando abandonamos a busca obsessiva pelo "eu" individual e descobrimos uma natureza infinitamente mais vasta e conectada, que nenhum algoritmo pode manipular ou controlar. Para o bem e para o mal, somos, todos, manifestações dessa consciência única — e é no reconhecimento dessa unidade que mora a nossa verdadeira liberdade.
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