Pausar é um ato de coragem
A pausa como gesto de lucidez em um mundo obcecado por movimento
Dias sem fazer nada são raros, mas nunca foram tão necessários. Moro no meio de um bosque, numa chácara a poucos quilômetros da cidade, cercado de árvores e da companhia dos meus cachorros. À primeira vista pode soar como um cenário perfeito para viver sem pressa, mas nem isso me protege da pressão invisível de estar sempre produzindo. Entre escrever, vender, gravar vídeos e conversar sobre temas que atravessam o mundo das organizações, ainda sinto o peso da exigência de estar em movimento constante.
Foi por isso que há anos decidi estruturar meu trabalho de forma diferente. Aprendi a incluir pausas no centro da rotina, não como um luxo ocasional, mas como uma necessidade vital. Durante a pandemia, enquanto muitos se entregavam à maratona de chamadas no Zoom, resisti. Essa escolha me salvou de uma exaustão que consumiu tanta gente. A pausa, percebi, não é ausência de trabalho, mas o que sustenta a clareza para que o trabalho exista. Não uso mais lista de pendências (elas só aumentam) e criei espaços bloqueados na minha agenda para algumas pausas por dia, inclusive mais longas para caminhadas ou exercícios físicos.
A ciência confirma o que o corpo sempre soube. O cérebro não opera em linha reta, ele funciona em ciclos de expansão e recolhimento, foco e liberação. Mihaly Csikszentmihalyi, que deu nome ao estado de flow, descreveu esse movimento em quatro etapas: esforço, frustração, pausa e retorno. É nesse intervalo aparentemente improdutivo que o inconsciente conecta informações, reorganiza memórias e libera os insights que não podem ser arrancados à força. A neurociência mostra que, quando descansamos, regiões ligadas à criatividade e à associação livre se ativam. Ou seja, parar não atrasa o trabalho, ao contrário, aprofunda.
O mundo corporativo, porém, insiste em agir como se fôssemos máquinas. Reuniões intermináveis, celulares vibrando a cada minuto, a expectativa de resposta imediata. Chamam isso de eficiência, tolice, isso é apenas ruído. A farsa do conceito de que podemos ser multitarefa transformou a dispersão em virtude, como se fazer várias coisas ao mesmo tempo fosse sinal de competência. O preço é previsível: energia fragmentada, criatividade rasa, decisões tomadas no piloto automático, quase uma “zumbificação corporativa”…
Flow não nasce da pressa, mas da alternância entre tensão e descanso. É o ritmo que gera vitalidade, não a constância. Um atleta sabe que sem repouso não há performance. Um músico sabe que sem silêncio não há música. Por que os líderes ainda ignoram a lógica mais elementar do corpo e da mente?
Foi a partir dessa consciência que criei meus próprios pit stops. Às vezes caminho pelo bosque só para ouvir os pássaros. Outras vezes preparo um café sem olhar o celular e deixo o aroma ocupar o espaço. Em dias mais leves, jogo uma bolinha para os cachorros e rio da correria desajeitada deles. Pequenos rituais que parecem banais, mas reorganizam meu sistema inteiro, me devolvem energia e me permitem escrever, criar e conduzir conversas sem carregar o peso da dispersão, da falta de foco, da falta de energia.
A pausa é mais do que descanso. É uma forma de inteligência. É nela que a Consciência se recolhe da pressa e reaparece em sua simplicidade, devolvendo clareza ao que estava confuso. Quem lidera sem pausa arrasta a si mesmo e sua equipe para a exaustão. Quem sustenta a pausa abre espaço para que a inteligência coletiva apareça.
Agora mesmo, enquanto escrevo em uma máquina de escrever que tem a mesma idade que eu, percebo que não se trata apenas de nostalgia. Essa escolha me lembra que ainda é possível criar de forma simples, presente e atemporal, quando mesmo cercado de telas, ainda posso escolher o simples. É nesse contraste que o flow aparece, quando fazer e ser deixam de estar separados.
O mundo que vivemos hoje confunde movimento com transformação. A boa notícia é que a pausa expõe a mentira, e nos lembra que só existe criação verdadeira quando a gente aceita não fazer nada por alguns instantes, porque é justamente aí que o invisível trabalha em nós.
A criatividade ativa o flow e é sustentada por ele. Mas para isso tem que ter foco e foco depende de energia.
A pausa não é interrupção da vida. É o que permite que a vida aconteça.
"É, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara."
- O Grande Lebowski
Obrigada por este lembrete tão importante, Cadu. Também moro no sítio, e muitas vezes me sinto atropelada pela correria do dia a dia.
Como sempre muito bom para refletirmos a neurose em que nos metemos…