Poeira Estelar com Opinião
A Comédia Cósmica do Eu: O universo se olhando de dentro e acreditando ser alguém.
Tudo o que chamamos de “eu” pode ser apenas uma dobra da realidade, um breve redemoinho de consciência no meio do nada. Um eco do próprio universo experimentando o espanto de existir. Há algo de profundamente cômico e trágico nisso: bilhões de anos de evolução, partículas colidindo, estrelas morrendo, só para que um punhado de poeira estelar comece a ter opiniões sobre o sentido da vida.
Volto a falar sobre o ego, não por insistência, mas porque é impossível compreender a natureza da consciência sem atravessar o território da identidade.
O ego é uma ferramenta útil, organiza a vida prática, permite operar no mundo, cria fronteiras, sabemos, mas quando acreditamos que ele é o que somos, o instrumento assume o comando, e tudo se apequena.
A atenção se fixa na forma e o fluxo natural da vida perde espaço.
À luz da não dualidade, o ego não é o inimigo, é apenas parte do mecanismo.
O problema começa quando esquecemos disso e o tratamos como o centro.
A partir daí, cada pensamento, conquista ou medo se torna uma tentativa de sustentar uma ilusão que nunca existiu.
Você não nasceu. Apenas se adensou por um instante na forma humana, como uma gota que emerge do oceano e se imagina separada da água que a sustenta. Chama isso de “vida”, mas é apenas um intervalo - um lampejo de densidade em meio ao fluxo contínuo da Consciência.
A biologia descreve o corpo como produto de uma cadeia genética e a física afirma que cada átomo que compõe esse corpo, foi forjado em estrelas que já morreram. O ferro do seu sangue nasceu de explosões cósmicas, o cálcio dos seus ossos é poeira de supernovas. Mas há algo mais intrigante do que essa origem estelar: o fato de você poder perceber isso agora. O universo olha para si mesmo através de você, e o espanto que sente diante dessa constatação é o próprio cosmos se reconhecendo.
Durante séculos, a ciência sustentou que a consciência era um subproduto da matéria, um ruído biológico emitido pelo cérebro. Mas as novas fronteiras da física e da neurociência vêm colocando em discussão essa narrativa. Experimentos quânticos mostram que o observador altera o comportamento da matéria observada. O simples ato de perceber muda o que é percebido. Não se trata de uma curiosidade científica, mas de uma fissura conceitual: a percepção pode ser o princípio de tudo. A matéria, um reflexo tardio da atenção.
Os místicos antigos, algumas tradições e até mesmo a filosofia já falavam desse mesmo movimento, com outra linguagem. “Você sempre esteve aqui”, diziam. Antes do Big Bang, antes do tempo, antes de qualquer forma, havia apenas uma presença potencial silenciosa aguardando expressão. O universo é essa presença em expansão, vibrando em si mesma e a vida humana, uma condensação momentânea desse mesmo campo. O que chamamos de “nascimento” é apenas a consciência se percebendo por um ponto específico de vista.
O ego transforma essa percepção em história. A consciência ilimitada se fixa num ponto e passa a chamá-lo de “eu”. A partir daí, cada pensamento, emoção e desejo são novas manifestações dessa mesma presença. Você nasce e morre a cada instante, mas continua, silenciosamente, como o espaço onde tudo isso acontece.
O sofrimento humano nasce da ideia de que houve um começo.
Enquanto acreditamos ter surgido em algum ponto do tempo, vivemos tentando garantir continuidade e com medo de apagar o que nunca foi escrito.
Não é a morte que assusta, é o nascimento.
Acreditar que começamos é o que nos faz buscar permanência, como se a presença pudesse deixar de ser.
Mas a consciência não tem início nem fim, ela é o pano de fundo silencioso onde tudo aparece e desaparece sem nunca sair do lugar.
A poeira estelar continua aqui, acreditando ser alguém, mas sendo o próprio universo se olhando de dentro.
Quantas vezes me confundo com o que penso ser?
Quem observa o fluxo dos pensamentos e, ainda assim, permanece o mesmo?
Se sou a poeira que pensa, o que é esse espaço que permite o pensamento existir?
A consciência não nasceu comigo. Fui eu quem apareceu dentro dela.
“É, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara.”
- O Grande Lebowski






