Lewis Hamilton viveu neste fim de semana um momento raro. Não por causa do 12º lugar no grid. nem pelo 12º lugar na corrida, mas por algo que escapa das estatísticas: o desabafo. Disse, sem filtro, sem cálculo, sem blindagem, que se sentiu inútil. E quando alguém como ele, acostumado a liderar, a representar, a performar sob pressão, fala isso com tanta nitidez, algo precisa ser levado a sério.
Não é comum ver um piloto de elite expor esse tipo de fraqueza. Ainda mais alguém como ele, acostumado a ser lido como símbolo de força, técnica e autocontrole. Mas ali não havia pose. Havia incômodo. Um desconforto que não se explica com “foi só um treino ruim”.
Num fim de semana onde o brasileiro Gabriel Bortoleto obteve sua melhor performance, Hamilton. eleito pela torcida brasileira, inclusive cidadão honorário do Brasil, sofria com o oposto.
Hamilton não parece mais se reconhecendo no espelho das pistas. Quando esse tipo de ruído interno aparece, nenhum currículo, nenhum número e nenhuma torcida resolvem. Não se trata do que os outros pensam mas sim o que cada piloto sente quando está sozinho com o volante, quando sabe que o carro tem potencial, que o companheiro de equipe é o pole position e ainda chegou na sua frente mesmo quando o carro deixa a desejar.
Mas Hamilton disse que o problema não era o carro, era ele.
A comparação com Leclerc deixa isso evidente. O monegasco largou na pole, mostrou velocidade, teve problemas, reclamou. Está em outra frequência. Ainda briga com o carro, com a equipe e com os limites, mas Hamilton, não. Ele não briga, ele questiona. Não os outros, mas a si mesmo.
Errar não é o principal problema dessa crise. Não entender por que ele não consegue mais fazer aquilo que fazia com naturalidade. Hamilton parece estar exatamente nesse ponto. Diante do vazio que surge quando o domínio já não está mais nas mãos e na arte da pilotagem. Quando a intuição que antes guiava agora hesita. Quando o corpo reage, mas a confiança não vem junto, ao contrário, o que vem é julgamento e um golpe na autoestima.
O que vimos na Hungria não foi o colapso de um ídolo. Foi o surgimento da falha, da dúvida que qualquer ser humano sente quando aquilo que o sustentava começa a falhar por dentro e só alguém com muita clareza ou muito limite se permite dizer isso em voz alta. Hamilton fez isso.
Fred Vasseur o chefe da Ferrari tentou explicar. Toto Wolff o antigo chefe da Mercedes, veio em defesa. Leclerc seguiu sua corrida. Mas o ponto não está aí e sim no fato de que Hamilton rompeu um pacto silencioso que rege o alto desempenho e a história dos seus sete títulos: o de parecer sempre no controle. Quando ele diz que talvez a Ferrari precise de outro piloto, o que ele está dizendo, na verdade, é que talvez ele precise se afastar da versão dele que todos esperavam encontrar ali.
Não é o fim de uma era. Nem o início de outra. É só um homem lidando com o que sente quando o ruído interno se impõe ao discurso externo.
Quando a performance já não cobre mais a falta de sentido, qualquer decisão se torna possível, sem o peso de sustentar o personagem.
Isso é maturidade.
Hamilton não desabou, não implodiu e não fracassou, apenas parou de fingir que estava tudo bem.
Isso não o diminui, ao contrário, amplia. A verdadeira força não está em parecer invulnerável. Está em atravessar o que dói sem se esconder, em admitir que mesmo os melhores se perdem, que mesmo os mais talentosos desacreditam, que mesmo os mais celebrados escutam uma voz interna dizendo que talvez não sejam mais suficientes, naquele ponto. Mas é aí, justamente aí, que os grandes se diferenciam dos apenas bons.
Hamilton não precisa provar mais nada. Mas talvez, nesse momento, tenha diante de si o maior desafio de todos: não voltar a vencer, mas voltar a confiar. Não nos outros, mas em si mesmo.
Se ele conseguir fazer isso com a mesma lucidez com que se expôs neste fim de semana, não será apenas um dos maiores da história. Vai ser também o mais humano.
E nisso, ninguém chega perto. Pelo menos por enquanto.