Nada sob controle - Ainda bem
O voo atrasou, o painel valeu, e ninguém saiu ileso. Nem eu.
Já acomodado no avião que me levaria de volta para casa e partiria às 8:00 do aeroporto Santos Dumont, o comandante avisou, com uma voz meio contida, que o sensor do trem de pouso indicava um possível problema. Pediu paciência — um pedido habitual quando se trata de aeronaves, claro. Meia hora depois, voltou, agora mais sem graça, para informar que precisaríamos desembarcar. O reparo ia demorar. Próximo voo disponível? Só às 15:00... Ainda bem que levei o Kindle — quase mil livros à mão, a verdadeira salvação.
Minha ida ao Rio semana passada foi um recorte intenso de sentimentos. Fui, a convite do Rio2C, participar de um painel sobre flow e criatividade na música, com os músicos Criolo e Duda Beat. Em menos de 24 horas, experimentei tensão, irritação, empolgação, alegria, compaixão e, de novo, alegria. Cheguei às 13h de quarta e tinha passagem marcada para as 8h da manhã seguinte. Quase consegui.
Sempre que desembarco no Rio, sinto um incômodo. Não era assim. Morei lá durante alguns meses, quando trabalhava no Banco Nacional, e adorava a cidade. Ainda adoro, claro, mas uma inquietação me acompanha até o primeiro contato com o mar. Basta olhar para as montanhas e, especialmente, para a Pedra da Gávea, e o incômodo se aquieta. Acho que isso começou a acontecer depois de ver o Rio sofrer com a escalada da violência — um nó que não se desfaz fácil.
Como o evento só aconteceria no fim da tarde, dei uma volta rápida, estiquei as pernas (mesmo sendo um voo curto de 40 minutos, além de mais 40 de Uber, com 1,93 de altura, esses deslocamentos são sempre desafiadores), procurei um canto menos caótico para almoçar dentro do próprio evento na Cidade das Artes. Foi aí que descobri que o Uber me cobrara duas vezes pela mesma corrida. O banco diz que preciso esperar cinco dias úteis para resolver. Claro.
A comida veio rápido demais para ser um bom sinal, mas estava razoável. Em eventos assim, a pressa comanda. Nada é feito na hora. O objetivo é girar as mesas e manter o salão andando, como se fosse uma fábrica de almoço em série.
Logo depois, encontrei meus companheiros de painel. Criolo, com uma sensibilidade rara e uma delicadeza que não se vê em qualquer um, me cumprimentou com a timidez de quem observa tudo com atenção. Duda Beat, cientista política que depois de um retiro de meditação se descobriu na música, chegou como quem já estava - vibrante, presente, inquieta. Fiquei feliz de conviver por alguns momentos com gente tão criativa, cuja visão de mundo ancorada na arte e nas relações humanas não ameaça quem tem pressa, ao contrário, convida para um desacelerar e simplesmente conversar.
O painel foi ótimo. Falei sobre meu processo com o estado de flow, compartilhei alguns fundamentos e o vídeo abaixo (trechinho do documentário California Typewriter de 2017), para aquecer o papo. Mas o que eu realmente queria era ouvir os dois. Queria entender como esse estado aparece para eles quando criam. E escutei com atenção.
À noite, fui a um lugar que conheço desde os tempos em que tudo era mais simples, ou parecia, para reencontrar um amigo de infância, com quem compartilho quase sessenta anos de convivência. Falamos de separações, dificuldades financeiras vividas, como andavam alguns amigos em comum e também daquela sensação de que ainda temos muito a fazer pela frente. Havia um brilho nos olhos dele que me fez bem — uma esperança discreta, talvez a mais sincera que existe.
Nesse curto tempo no Rio, tensão, irritação, empolgação, alegria e compaixão apareceram sem aviso, sem pedir permissão. Não havia ninguém para controlar ou condenar esses sentimentos, só o fluir silencioso do que simplesmente acontece. Elas chegaram, ocuparam o momento e foram embora, não precisando de um piloto ou de destino. A vida não é um indivíduo vivendo emoções, é sim, a própria experiência pulsando, sem centro, sem dono, sem começo e sem fim.
Sentir tudo isso é, no fim das contas, só mais uma forma de lembrar que estou vivo e que, por mais que se acredite em controle, a única coisa certa é que não temos nenhum.
"É, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara."
- O Grande Lebowski