Transformar a cultura nas organizações e fora delas - A liderança invisível existe.
É preciso ir além do ego para facilitar a inteligência coletiva e liderar sem dominar. Liderança é uma ideia, não um indivíduo.
O estado de flow puro aponta para a certeza que a verdadeira alta performance não vem do esforço forçado, mas da integração plena entre ação, atenção e intenção.
Esse princípio não se aplica apenas ao desempenho individual, mas também à forma como lideramos e nos relacionamos no trabalho e na vida.
Precisamos de um modelo de liderança que transcenda o ego e opere a partir do entendimento genuíno de que não existe separação entre as pessoas e o mundo. Somos mais do que essa “unidade” corpo e mente que chamamos de “eu”.
Isso nos leva a um conceito mais profundo: a não-dualidade.
A Experiência de Unidade
A não-dualidade é um estado de percepção em que a separação entre sujeito e objeto desaparece. Na prática, significa que a mente crítica e analítica se dissolve momentaneamente, e a experiência se torna fluida, direta e integrada.
Na liderança, essa experiência pode ser transformadora. O líder além do ego não busca controle ou reconhecimento pessoal; ele facilita um ambiente onde o fluxo coletivo emerge naturalmente.
Liderança Além do Ego
A maioria dos modelos tradicionais de liderança se baseia no ego: status, hierarquia, poder, competição e separação entre "líderes" e "liderados". Mas esse modelo já é obsoleto em ambientes que exigem inovação, colaboração e agilidade. Falta apenas que isso seja percebido e assimilado.
O líder além do ego não se define pelo poder que exerce sobre os outros, mas pela capacidade de criar um campo de inteligência coletiva, onde as melhores ideias surgem organicamente e a equipe trabalha como um organismo coeso. Isso significa menos controle e mais confiança. Líderes que operam no flow sabem que o poder não está em impor, mas em cultivar um ambiente propício para o surgimento das melhores soluções. Significa também menos rigidez e mais adaptabilidade. Em vez de se apegar a um plano rígido, eles seguem o fluxo das necessidades reais do momento. Significa, ainda, menos separação e mais unidade. Eles não veem a empresa como uma estrutura hierárquica, mas como um sistema interconectado, onde cada parte influencia o todo.
Isso me lembra do "switch" (mudar) no treinamento dos SEALs. Quando a equipe está em flow, a hierarquia desaparece: quem tem mais conhecimento sobre a próxima etapa da operação assume naturalmente a liderança. Basta um olhar entre eles. Essa flexibilidade permite um desempenho muito mais rápido, eficiente e intuitivo. Imagine uma equipe de desenvolvimento de software que, ao enfrentar um problema inesperado, permite que a pessoa com maior conhecimento técnico sobre o assunto assuma temporariamente a liderança, independente do seu cargo dentro da hierarquia formal. O resultado é uma resolução mais ágil e precisa, sem os atrasos causados pela necessidade de autorização e validação constantes.
A liderança baseada na não-dualidade também dissolve a necessidade de reconhecimento individual. Quando líderes operam sem o desejo de alimentar o próprio ego, criam um espaço onde a equipe se sente segura, vista e valorizada. Isso reduz conflitos internos, medos e a necessidade de provar valor, permitindo que cada pessoa traga o melhor de si para o grupo.
O Ego como Obstáculo ao Flow
O maior inimigo do flow – tanto individual quanto coletivo – é a mente egóica, que opera baseada em comparação, medo e busca de validação externa. No ambiente de trabalho, isso se manifesta de várias formas: o medo de errar bloqueia a criatividade e impede a experimentação; a competição entre equipes ou indivíduos destrói a colaboração; a necessidade de estar sempre "certo", cria resistência à inovação; a busca por controle gera o microgerenciamento e sufoca a autonomia (que é premissa da criatividade).
Um líder que acessa o ego de forma equilibrada, ou seja, como uma ferramenta a ser utilizada apenas em casos de necessidade (algo como “downloads mentais”), compreende que quando as pessoas não estão presas ao medo e à autopreservação, elas operam em flow de forma natural. Não há mais a necessidade de "se provar" o tempo todo – há apenas a entrega plena à atividade e ao propósito maior. Em um ambiente de trabalho tradicional, um colaborador pode hesitar em compartilhar uma ideia inovadora por medo de críticas ou de parecer ingênuo - isso, se tiver espaço para tal. Já em um espaço onde o ego não domina, as ideias circulam livremente e são avaliadas por seu mérito, não por quem as propôs.
Isso significa que a chave para criar um ambiente saudável e produtivo não é adicionar mais regras, mais pressão ou mais controle, mas sim, remover os obstáculos internos que impedem a conquista dos objetivos do grupo.
Se queremos organizações mais humanas e eficazes, precisamos criar ambientes que facilitem o entendimento da real função do ego (ser apoio e não mestre) e promovam a experiência de interconexão genuína. A segurança psicológica é essencial – quando os colaboradores sabem que podem errar sem medo de punição, eles experimentam mais liberdade para criar e inovar. Erros são tratados como devem ser: aprendizados. O Google, com seu Projeto Aristóteles e outras empresas de alto desempenho já comprovaram que segurança psicológica é um dos maiores preditores de sucesso em equipes. Uma empresa de tecnologia que implementou um "dia do fracasso", onde os membros da equipe compartilham abertamente suas tentativas malsucedidas e aprendizados, notou um aumento significativo na experimentação e, consequentemente, na inovação.
A comunicação transparente e empática cria conversas sem máscaras e sem jogos de poder, um espaço onde a verdade circula livremente. Líderes conscientes aprendem a escutar ativamente e a perceber a inteligência que surge na troca autêntica entre as pessoas. Práticas como "check-ins" emocionais no início de reuniões ou sessões regulares de feedback 360° conseguem criar um ambiente onde a comunicação flui natural e autenticamente - os problemas são abordados antes de se tornarem crises.
Estruturas flexíveis e orgânicas permitem fluidez no papel de liderança e descentralizam a tomada de decisão, criando espaço para que a liderança surja de forma natural e situacional, como no exemplo dos SEALs. Organizações como Spotify e Netflix, que adotaram modelos de equipes horizontais, autônomas e autogerenciáveis, mostram como essa abordagem pode promover agilidade e inovação em escala, ainda que no espectro mais amplo, algumas dessas empresas tenham políticas questionáveis em relação ao mercado. Ou seja, nada é para todo mundo e nem ao mesmo tempo. Mas é fundamental dar o primeiro passo para que haja reverberação.
O flow é facilmente acessado quando há condições adequadas (ambiente e agenda) para concentração profunda. O flow segue o foco. Empresas podem incentivar práticas como dias (pelo menos um dia por semana) sem reuniões para permitir imersão total no trabalho, salas de silêncio e períodos de deep work, pausas para meditação e regeneração mental. A Buffer, que produz um aplicativo de otimização do tempo, implementou o "Monk Mode Morning", período em que toda a equipe trabalha em completo silêncio, como monges, todas as manhãs, sem interrupções, e relatou um aumento significativo na produtividade e na qualidade do trabalho.
O flow coletivo só acontece quando há um objetivo compartilhado, uma visão clara e inspiradora que une a equipe. E também um risco compartilhado. Estes são dois gatilhos poderosos para a ativação do flow coletivo. O trabalho deixa de ser apenas uma obrigação e passa a ser um meio para algo maior.
Flow, Liderança Consciente e um Novo Modelo de Trabalho
Liderança além do ego não significa ausência de liderança – significa liderar a partir de um lugar mais profundo e autêntico. O futuro do trabalho não deveria mais ser baseado em controle e hierarquia, mas em conexão e inteligência coletiva. Empresas que entenderem isso terão times mais saudáveis, criativos e inovadores. Aparentemente estamos em um momento onde essa intenção perdeu um pouco de velocidade…
Se queremos líderes que inspirem e ambientes onde o flow possa emergir naturalmente, precisamos cultivar uma nova mentalidade organizacional, uma nova forma de se trabalhar e conviver, onde o sucesso de um seja o sucesso de todos. Passamos 70% da nossa vida adulta, em média, no trabalho. Tem que valer a pena concorda?
No final, a liderança mais poderosa não é aquela que impõe, mas aquela que permite que a inteligência natural do sistema se expresse sem bloqueios, flua naturalmente, com inputs gerados por todos e soluções idem.
Para que uma organização funcione como um organismo vivo e inteligente, é essencial um modelo de liderança que ultrapasse o ego e opere a partir do entendimento de que não somos seres separados, há uma interconexão genuína, entre as pessoas, algo que a não-dualidade consegue explicar de forma mais definitiva.
Para mais ensaios sobre não dualidade, acesse:
FLOW E NÃO DUALIDADE
Há alguns anos, retomei meus estudos do #estadodeflow e quase ao mesmo tempo, tive uma experiência marcante, um vislumbre da nossa real natureza, um olhar da consciência para si mesma, o que de forma muito intensa, vem mudando minha forma de viver e ver o mundo.