Venho notando uma mudança interessante em como lido com surpresas e situações inesperadas. É uma transformação que acontece aos poucos, dia após dia, e que tem me ensinado muito sobre mim mesmo. Ou melhor, sobre aquilo que realmente sou - algo muito além deste "eu" que pensava ser. Antes tarde do que nunca.
Pare por um momento e observe: quem é que está lendo estas palavras agora? Antes de responder automaticamente "eu", investigue mais fundo. O que é este "eu"? Onde ele está? Você consegue encontrá-lo? Ou será que existe apenas uma consciência que observa tudo, inclusive os pensamentos que dizem "eu sou isto" ou "eu sou aquilo"?
Ao criar algumas rotinas na minha vida, comecei a perceber com mais frequência a minha atenção voltando para o momento presente, respondendo a essas perguntas, em vez de ficar num deslocamento temporal insano ora para o passado, remoendo algum arrependimento (que ficou no passado, não existe mais), ora imaginando um futuro que é etéreo e inexistente. Com isso, tenho valorizado essa disciplina ainda que em alguns dias seja um tremendo desafio…
Minha manhã começa com um ritual simples mas poderoso: exercícios de respiração do método Wim Hof, que me preparam para o que vem depois, um banho gelado que tomo há anos mesmo no inverno, que aqui onde moro, chega a 2 ou 3 graus Celsius…. Essa combinação me ajuda a começar um dia com energia e foco. Depois, pão na chapa e café preto, baldes, não xícaras, mas só até a hora do almoço. Depois não mais. São momentos simples que me colocam o presente de bandeja na minha frente. Não dá para diante dessa beleza, que está em cada detalhe, se perder em pensamentos que roubam nossa atenção. E o presente, como falo insistentemente aqui em meus textos, é o único lugar onde a vida realmente acontece. O passado existe apenas como memória, e o futuro como imaginação - ambos são apenas pensamentos surgindo agora, nesta “Presença” atemporal que você é.
Trabalho em parte do tempo, quando não estou na minha “Capela Sistina” particular, trabalho em um pequeno escritório que antes era um closet. Ali, embora tenha diminuído o tempo de meditação formal, descobri algo valioso: posso meditar o tempo todo, desde que eu esteja realmente inteiro, centrado no presente naquilo que estou fazendo, até lavando louça - já quebrei alguns copos por não estar totalmente atento - Essa consciência natural acalma aquela mente agitada que pula de pensamento em pensamento. Observe agora: os pensamentos vêm e vão, mas você, a Consciência que os observa, permanece sempre a mesma. Você é aquilo que está ciente dos pensamentos, não os pensamentos em si.

O tempo que eu antes dedicava à meditação formal agora divido entre leituras e áudios sobre não dualidade e zen, que me ajudam a entender melhor como nossa Consciência funciona. Ou melhor, como funciona esta aparente individualidade que chamamos de "eu", mas que na verdade é apenas um conjunto de pensamentos, sensações e percepções surgindo na vastidão da Consciência Presente que todos somos.
Mas o que realmente quero dividir aqui, é como a minha forma de lidar com imprevistos mudou radicalmente.
Antes, quando algo saía do planejado, eu ficava tenso e ríspido - hoje vejo que era puro medo. Medo de enfrentar problemas aparentemente sem solução, medo de ter que fazer sacrifícios. Esse medo me acompanhou por muito tempo, aparecendo nos momentos mais inesperados: quando me pegavam numa mentira infantil ou quando errava algo que já sabia fazer. Hoje penso que o medo ali era da rejeição, de ser olhado de forma menor, sem habilidade ou competência. Síndrome do Impostor?
Pare novamente e observe: quando surge um medo, quem é que está ciente dele? O medo vem e vai, mas você, a Consciência que percebe esse medo, permanece inalterada. Você é como o céu que permanece sempre o mesmo, independentemente das nuvens que passam por ele.
O medo nunca é neutro: ou nos paralisa ou nos faz agir sem pensar. Ele se alimentava da preocupação com aquilo que os outros iam pensar, da iminência de perder oportunidades, do receio do futuro. Mas algo mudou quando percebi que não existe separação entre "eu" e o resto do mundo - somos todos manifestações da mesma Consciência. Os problemas continuam existindo, claro. O que mudou foi como encaro esses problemas. Onde antes havia tensão, hoje há mais leveza e compreensão. Aprendi a não levar tudo tão a sério.
Observe suas mãos agora. Você as move, mas quem é que está ciente do movimento? Você é a consciência que percebe o movimento, não o movimento em si. Da mesma forma, você é a consciência que percebe os pensamentos, não os pensamentos em si. Você é aquilo que permanece quando todos os pensamentos cessam.
Essa nova forma de ver as coisas não diminui a importância do que vivemos, mas coloca tudo em perspectiva. A não dualidade me ensinou que não existe um "eu" separado do mundo, nem um "outro" que precise ser temido ou controlado. Tudo que acontece - seja bom ou ruim - é expressão da mesma Consciência que existe em tudo. É como um oceano e suas ondas: cada onda parece separada, mas é feita da mesma água do oceano.
Hoje, quando algo inesperado acontece, não vejo mais como uma ameaça. É mais uma oportunidade de estar presente, de aprender e crescer. A vida é mudança constante, e resistir a isso só traz sofrimento. Aprendi a fluir com a vida em vez de lutar contra ela, resistindo algo que seria incômodo ou buscando algo que traria prazer. Nesse flow, encontro uma paz que não depende do que acontece lá fora, mas da compreensão de que tudo faz parte de algo maior.
Feche os olhos por um momento. O que permanece quando todas as percepções visuais cessam? Existe uma consciência que está ciente da escuridão, não é? Essa consciência - que está presente quando seus olhos estão abertos ou fechados, quando está acordado ou dormindo, feliz ou triste - é o que você realmente é.
Essa transformação continua acontecendo, e cada dia traz novas chances de entender melhor essa verdade e viver com mais plenitude. Lidar bem com imprevistos não é algo que se aprende de uma vez - é um despertar contínuo para a verdadeira natureza da realidade, onde tudo é um. É o reconhecimento gradual de que você não é o personagem do filme da sua vida, mas o ator, a plateia e a tela em que o filme é projetado. A tela permanece sempre a mesma, independentemente do que seja projetado nela.
Que o flow esteja com você.
Aquele que observa tudo mais que emerge, ainda é o ser separado. Ainda é uma identidade, mesmo que expandida e aparentemente menos localizada. Neti neti. Not that.
Muito legal Cadu, seu compartilhar e as dicas nele contidos. Rotina incorporada, sinal de inteligência, certo?
Tenho experimentado esse poder da rotina. Imagino que à sua semelhança, tenho muito tempo solo para ler, escrever e me preparar para palestras e entrevistas. Estou fora da rotina de um escritório estruturado com a presença (e demanda - às vezes exacerbada) de colegas de trabalho. Tenho alguns compromissos ao longo da semana, mas a maioria planejado com certa antecedência.
Essa rotina de banho gelado é bastante saudável. Tenho experimentado - se não direto no mínimo ao final por uns 3 a 5 minutos (abuso do meu chuveiro). Outra rotina é o do jejum intermitente. Perdi uns 12 a 13 quilos, ganhei de volta uns 3 - mas nada como era antes de entrar na rotina de comer ao longo de uma janela de 8 horas (das 12 às 20). Outra rotina saudável - de trabalho e exercício mental e intelectual tem sido o substack. Antes de completar um ano de plataforma já superei os 230 posts, e até recentemente fazia obrigatoriamente todo dia útil - de 2a a 6a.
Mas hoje estou focando em textos mais densos na 3a. Acho que ajuda os assinantes.
No outro site (Não É Imprensa), reduzi as laudas de 4 a 5 para 1 - a pedido do Editor.
Meditação, oração e reflexão espiritual não tem um horário específico, mas tenho feito ao final da tarde ou começo da noite. Acabo registrando - escrevendo ou postando para irmãos de fé.