Às vezes, a ficção diz o que a ciência ainda hesita em admitir. Dan Brown talvez não tenha a intenção de provocar um vislumbre da natureza não dual da realidade, mas o faz. Seu novo livro distrai a mente racional enquanto uma “verdade” mais ampla escapa por entre as linhas: a Consciência não está localizada, não pertence ao cérebro, e talvez o pensamento seja apenas o ruído de uma estação mal sintonizada.
Acabei de ler o calhamaço de quase 600 páginas do novo livro de Dan Brown. Diversão garantida. As provocações, foram muitas, especialmente relacionadas ao tema que costumo a escrever por aqui.
Dan Brown escreve thrillers que envolvem e divertem, mas em The Secret of Secrets (O Segredo Final) há algo que escapa à fórmula. Por trás da trama de símbolos, criptogramas e envolvimento da CIA em pesquisas neurocientíficas, há uma questão real, desconcertante e profundamente científica: e se a consciência não estiver confinada ao cérebro? O que parece ficção conspiratória é, na verdade, uma hipótese cada vez mais difícil de ignorar.
Durante décadas, a ciência materialista sustentou a narrativa de que a mente é produto da atividade elétrica e química cerebral. Essa visão começa a perder sustentação 1. Pesquisadores como Stuart Hameroff e Roger Penrose, com o modelo Orch-OR, propõem que a consciência emerge de processos quânticos nos microtúbulos das células neuronais — estruturas tão pequenas que escapam às leis clássicas da biologia. O físico David Bohm já havia falado em uma “ordem implicada”, um campo de informação contínuo e não local onde tudo está simultaneamente presente.
Há também fenômenos que desafiam qualquer explicação reducionista. Casos estudados pela Universidade da Virgínia 2 relatam percepções detalhadas durante ausência total de atividade cerebral em experiências de quase-morte. O sudden savantism, Síndrome de Savant ou do Sábio3, apresenta indivíduos que, após uma lesão cerebral, passam a manifestar habilidades extraordinárias em música, matemática ou arte. O que antes era inacessível à mente comum emerge intacto, como se sempre estivesse ali, aguardando a interferência diminuir.
O autismo pode ser lido dentro da mesma perspectiva. Em muitos casos, há uma percepção não filtrada, direta, sem o mesmo condicionamento social que constrói o “eu” narrativo. A mente neurotípica se comporta como um rádio ajustado a uma estação específica, sintonizado na frequência do consenso humano. Já em certas manifestações do espectro autista - e nos casos de savantismo súbito - parece haver um deslize temporário de estação, um desvio que expõe a transmissão total.
O cérebro, em vez de gerar consciência, apenas a decodifica. Quando a sintonia se altera, o sinal bruto da Consciência absoluta se manifesta, às vezes de forma caótica, às vezes como genialidade pura.
A hipótese é desconfortável porque desmonta o centro. A ideia de que o “eu” é apenas uma tradução local de algo ilimitado ameaça a estrutura sobre a qual construímos toda a nossa identidade e nossa civilização. A mente reage, tenta se defender, cria explicações ou descarta o que não entende. Ainda assim, os indícios se acumulam: o observador não é produto do cérebro, o cérebro é o instrumento de observação. E o que observa, observa de todos os lugares ao mesmo tempo.
É aqui que a ficção de Brown se torna útil. Ela se disfarça de entretenimento, mas atua como cavalo de Troia. Enquanto o leitor segue a trama, a mente se ocupa o suficiente para deixar passar, por entre as frestas da narrativa, uma intuição mais funda: o sentido de que há algo observando tudo, inclusive o próprio ato de ler. Nesse ponto, o romance deixa de ser leitura e se torna espelho.
A não dualidade descreve esse campo silencioso de onde tudo surge. Não há sujeito nem objeto, apenas o fluxo impessoal da consciência se reconhecendo através das formas. O cérebro é só o rádio, a consciência é a frequência. E quando o aparelho se danifica, quando o ruído cessa por um instante, a transmissão continua - ampla, sem origem, sem dono.
A ciência ainda procura medições, e talvez continue procurando por muito tempo. Mas o que está em jogo não é provar nada: é perceber. A consciência não precisa ser localizada para ser real; ela é o próprio espaço onde a localização acontece.
Dan Brown pode não ter escrito sobre isso, mas o livro serve como lembrete de que até a ficção pode abrir uma fenda no concreto. Às vezes, um enredo de mistério é tudo o que a mente precisa para sair da estação por um instante e ouvir o que sempre esteve sendo transmitido.
O segredo não está escondido nas páginas nem nas teorias. Está no campo silencioso que lê cada palavra e observa o leitor ao mesmo tempo. O resto é só o som do rádio tentando ouvir a si mesmo.
“É, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara.”
- O Grande Lebowski
Obrigado por ler O Psiconauta!
Nenhum autor é dono do que escreve, apenas o tradutor do silêncio que o antecede. Escrever foi o modo que encontrei de investigar o que somos quando a mente se aquieta. Cada texto nasce desse movimento silencioso da consciência tentando se reconhecer em forma. Às vezes surgem palavras, outras apenas o espaço entre elas. Não escrevo para explicar nada, escrevo para lembrar. A ficção, a ciência e o cotidiano são apenas pretextos. O que fala por trás é o mesmo silêncio que lê.
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Explorando o Realismo Consciente e a Teoria da Interface da Percepção de Donald Hoffman
Donald Hoffman é professor de Ciências Cognitivas da Universidade da Califórnia, em Irvine, e autor de Visual Intelligence: How We Create What We See e coautor de Observer Mechanics: A Formal Theory Of Perception, entre outros.
O Dr. Bruce Greyson, psiquiatra da Universidade da Virgínia, foi citado dizendo:
“A maioria das pessoas que tiveram experiências de quase morte dizem: ‘Não consigo explicar o que aconteceu. Não há palavras para descrever’, e eu acredito nisso. Portanto, acho que o que quer que aconteça após a morte — e acredito que algo acontece — está tão além da nossa imaginação que não adianta tentar especular sobre isso”. Isso reflete sua opinião de que a experiência é indescritível e que especular sobre a vida após a morte é provavelmente inútil.
“Psiquiatras e psicólogos dedicam muito esforço para tentar fazer com que as pessoas realizem mudanças relativamente pequenas, e aqui, em um piscar de olhos, as pessoas são totalmente transformadas — essa é uma experiência impactante!”
https://med.virginia.edu/perceptual-studies/our-research/near-death-experiences-ndes/
A síndrome de Savant é uma condição rara em que uma pessoa com deficiência intelectual ou autismo exibe habilidades extraordinárias em áreas específicas, como memória, artes ou matemática. Essas “ilhas de genialidade” contrastam com as dificuldades que a pessoa pode ter em outras áreas, especialmente na interação social e comunicação. A condição pode ser congênita ou adquirida após uma lesão ou doença neurológica.
Características principais
Habilidades excepcionais:
Indivíduos com síndrome de Savant podem ter talentos notáveis, como:
Memória prodigiosa: Capacidade de memorizar grandes quantidades de informação, como o conteúdo de livros inteiros.
Habilidades artísticas: Ser capaz de desenhar com perfeição, tocar múltiplos instrumentos musicais com maestria ou compor música.
Habilidades matemáticas e espaciais: Realizar cálculos complexos rapidamente, entender sequências matemáticas complexas ou ter um senso de localização espacial excepcional.
Dificuldades sociais:
A síndrome geralmente coexiste com dificuldades de compreensão, comunicação e interação social, sendo mais comum em pessoas com transtorno do espectro autista.
Raridade:
É uma condição rara, afetando cerca de 1 em cada 10 pessoas com transtorno autista, embora também possa ocorrer em outras deficiências do desenvolvimento ou após lesões cerebrais.
Tipos:
Pode ser congênita (presente desde o nascimento) ou adquirida, desenvolvida após uma doença, lesão na cabeça ou AVC em qualquer fase da vida.