Entre truques e verdades fáceis
Vivemos tempos de atalhos e polaridade e enfrentar a própria sombra é o ato mais radical que podemos escolher
Há alguns anos, movido por aquele medo de ficar para trás que a todos captura em algum momento, decidi lançar um curso no Hotmart. Entrei no jogo do marketing digital, acreditando que talvez pudesse ser um caminho legítimo para espalhar meu trabalho.
O resultado não foi ruim, mas o impacto verdadeiro não veio do que ganhei ou perdi, e sim daquilo que percebi: a maior parte das pessoas não queria se conhecer, queria atalhos. Procuravam fórmulas rápidas, truques de produtividade, hacks para a mente para se sentirem melhor sem precisar encarar o desconforto de olhar para dentro.
Foi como se eu tivesse aberto uma banca na feira já abarrotada de gurus, coaches e especialistas, cada um oferecendo seu pacote pronto de transformação instantânea, com capa colorida e frases de impacto. “Iluminação em cinco passos”, “liderança em três módulos”, “propósito em trinta dias”.
Ali caiu uma ficha incômoda: até mesmo a espiritualidade, a liderança e o autoconhecimento haviam sido empacotados como produtos de consumo. E como todo produto precisa ser consumido, vem sempre com promessas fáceis, de preferência embaladas em slogans que cabem em um post. O problema é que a vida não se curva a esse tipo de embalagem. Quando muito, aceita uma maquiagem passageira. É como passar tinta em uma parede rachada: a rachadura continua lá, silenciosa, esperando o momento certo para se abrir de novo.
Quase ninguém percebe o chamado silencioso que não cabe em embalagem.
Olhar para si não cabe em uma fórmula. Não é um bem de consumo nem uma palestra inspiradora com música ao fundo. É um movimento radical, profundo, desconfortável. Significa encarar a sombra, desmontar as ilusões que passamos a vida sustentando, atravessar o vazio sem garantias. Não é rápido, não é fácil, e justamente por isso quase ninguém se interessa de verdade. A maioria prefere se entreter com mais uma técnica, mais um guru, mais uma solução relâmpago.
Com o tempo percebi que meu trabalho não era falar com todos, mas caminhar com poucos. Poucos que ouviram o chamado silencioso por trás do barulho da feira. Esse chamado não se grita, não promete nada, não oferece descontos nem bônus de inscrição. Ele apenas insiste, discreto, como um incômodo que não desaparece.
É para esses poucos que criei programas como o Deep Dive, a primeira fase das minhas mentorias dentro da série Fronteira Interior. Não falo de acumular conhecimento nem de colecionar ferramentas, mas de abrir espaço para um mergulho real. Não são mentorias, são conversas significativas, provocar a percepção de que não somos nenhuma das máscaras que defendemos com tanto empenho. O incômodo é inevitável, mas é justamente ele que denuncia a proximidade de algo verdadeiro.
Nossa época é vivida com tribalismos e polaridades, onde se colecionam slogans de identidade como se fossem escudos contra o vazio. E o vazio continua ali, silencioso, pedindo para ser visto (grande descoberta, por sinal).
E é curioso ver como, nesse mesmo tempo de abundância de cursos, fórmulas e especialistas, as pessoas continuam presas em tribalismos e polaridades. Defendem crenças, rótulos e identidades como quem briga por território, agarrados a slogans que não sustentam nada quando a vida aperta. É mais fácil se alinhar a um grupo, seguir a cartilha de um mestre da vez, repetir frases de efeito, do que sentar em silêncio e encarar a pergunta que nenhum guru pode responder: o que sobra quando tudo isso cai?
Talvez seja exatamente isso o que mais evitamos e justamente por isso, o que mais precisamos.
Escrevo aqui no Substack, sob o nome de Psiconauta, para quem não se satisfaz com o supermercado das verdades fáceis. Para quem pressente (ou tem certeza) de que existe alguma coisa diferente, alguma coisa que vai além da feira barulhenta de soluções mágicas e entende, ainda que em relances, que a única transformação real começa quando deixamos de fugir.
Meu trabalho não é entregar fórmulas nem alimentar essa pressa coletiva. É criar o espaço para as conversas que façam sentido, conversas que não reforçam certezas mas as desarmam. Conversas em que a pessoa descobre, talvez com um certo incômodo, que nada do que acreditava ser é tão sólido assim. Com relação ao trabalho ou a si mesmo.
A condição humana não se resolve com hacks ou slogans, mas se revela quando aceitamos olhar para o que evitamos. A máscara cai e sobra apenas aquilo que sempre esteve presente.
E é exatamente aí que começa a vida que não pode ser reduzida a truque algum.
Para conhecer mais sobre meu trabalho de “conversas significativas” acesse o site ou clique o botão para o PDF.
Um primeiro passo para esse entendimento pode ser a leitura do meu livro “Antes do Pensar” . Saiba mais seguindo por aqui.
Mais sobre o “supermercado espiritual” aqui:
El final de un mensaje auténtico y humilde.
“La condición humana no se resuelve con trucos ni eslóganes, sino que se revela cuando aceptamos mirar lo que hemos estado evitando. La máscara cae, dejando solo lo que siempre estuvo ahí.
Y ahí es precisamente donde comienza la vida, que no se puede reducir a ningún truco.”
Tem horas que acho que é mais uma xepa de feira livre do que um supermercado. Mas como dizia o Böhm, os sintomas da doença da mente são Imediatismo, superficialidade e simplificação.