No meio de todos, ninguém
Por que os outros nos decepcionam? O erro não está neles, mas na crença de que existe um “eles”.
É curioso como, mesmo cercados de gente, às vezes nos sentimos profundamente sozinhos.
Não é solidão por falta de companhia. É algo mais desconcertante: estar presente no corpo, mas ausente de conexão. Alguma coisa em nós sabe que ali, naquela cena social, falta algo essencial.
Andei pensando sobre amizades e olhando para minha trajetória, caiu uma ficha.
Tive (e tenho) bons amigos. Mas são raros — e completamente diferentes entre si.
Não existe um padrão. Não dá para explicar racionalmente.
Alguns vêm da infância. Relações com pouca frequência, mas que carregam uma qualidade quase atemporal: se a gente se encontrasse hoje, o vínculo estaria inteiro. Sem esforço, bastando um olhar para sabermos que tudo está no lugar, mesmo depois de tantos anos.
Outros vieram depois e, sem alarde, ganharam espaço. Não pelo tempo, mas pela qualidade da presença, despertando uma memória silenciosa de afinidade, como aquela da infância — identificando coisas em comum que nem sabemos nomear direito, mas que reconhecemos no sentir.
E há os que pareciam amigos — e talvez tenham sido — mas por força de alguma convivência circunstancial: projetos em comum, proximidade geográfica, ou apenas a necessidade de ter companhia. Esses, por vezes, foram os mais frustrantes. Relações que pedem confiança, entrega, construção mútua. Mas bastou o fim do projeto ou parceria para desaparecerem como se o vínculo nunca tivesse existido. Outros ainda seguem presentes, mas apenas pelo fio protocolar de um “parabéns” enviado por WhatsApp no dia do aniversário.
É aí que começa o incômodo.
A frustração. A pergunta muda: por que isso acontece?
E mais fundo ainda: por que isso ainda me afeta?
A mente corre pra responder com explicações lógicas: "as pessoas mudam", "fases da vida", "interesses diferentes"...
Mas talvez haja algo mais essencial sendo exposto: seguimos acreditando na ideia da separação, esperando que o outro nos valide, nos reconheça, nos acompanhe no caminho. Isso parte de uma crença que raramente é questionada: a de que há, de fato, um “outro” separado de mim.
Essa é a armadilha.
Achar que o outro existe como entidade autônoma, isolada, capaz de nos completar ou decepcionar.
Mas tudo — absolutamente tudo — é a Consciência experimentando a si mesma sob diferentes formas.
É a Consciência brincando de ser gente, de ser bicho, de ser planta, pedra, onda e vento. Um grande teatro onde tudo o que parece sólido é só forma temporária do mesmo vazio fértil.
E quando essa ficha cai — mesmo que por instantes — algo se dissolve.
A mágoa perde importância. A comparação perde sentido. A decepção encontra lugar no colo do entendimento.
Não existe “o outro”.
Existe apenas o Eu olhando para si mesmo de um ângulo diferente, algo que exploro no post abaixo:
Volto.
Sim, pode parecer solitário no começo. Quando essa percepção chega, nossa identidade balança. A estrutura que a mente levou uma vida pra construir começa a rachar.
E aí começa a liberdade.
Não há mais o que proteger.
Não há mais para quem provar.
O que fazemos ao outro, fazemos a nós. O que damos, recebemos. O que negamos, nos retira da inteireza.
A vida segue, repetindo padrões, histórias, gestos — não como punição, mas como espelho.
Cada encontro é uma chance de reconhecer algo maior.
Algo que pulsa o tempo todo, por trás do personagem, por trás do nome, por trás do drama.
Algo que está aqui.
Silencioso.
Antes do pensar.
"É, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara."
- O Grande Lebowski