Quando o Ego Sai da Sala de Reunião
Desfazer a ilusão de separação transforma trabalho, resultados e relações
Quando olho para os processos de liderança, sobretudo nos ambientes onde a competição é quase um vício, vejo um palco curioso. Somos criaturas gregárias, aprendemos a sobreviver e prosperar por causa do coletivo, não apesar dele. Fomos esculpidos pelo convívio, pela partilha de riscos e recompensas, pelo hábito de juntar cabeças e mãos para algo maior do que qualquer um isolado poderia sonhar. Seria natural que as empresas, que se dizem modernas, reproduzissem essa inteligência do grupo. Mas aí, quando entro pelas portas de vidro, vejo outra cena.
Ali, o que comanda é o velho baile de máscaras. O poder se move por corredores e salões com mesas infinitas cheias de monitores ou baias restringindo a visão de quem ali trabalha, fantasiado de política, carregando um roteiro herdado da Revolução Industrial. O comando e controle ainda inspira executivos como se a empresa fosse uma fábrica do século passado, com cada gerente atuando como capataz de linha de produção. É uma sombra antiga, confortável em sua própria obsolescência, microgerenciando e sobrevivendo a gerações de relatórios e reuniões. Ninguém precisa de apito ou uniforme para manter a marcha: basta um organograma rígido e a velha crença de que alguém, em algum lugar, controla tudo de cima.
O problema é simples: liderança nunca foi uma pessoa. Liderança é uma ideia, uma dessas ideias que pairam no ar esperando por quem tenha coragem de encarnar, mesmo que por pouco tempo, o papel de quem aponta o caminho. O cargo é só uma cadeira, confortável e acolhedora ou mais parecida com uma cadeira elétrica conforme o clima da semana (nunca tantos CEO’s foram substituídos como de 2023 para cá).
O que importa (e diferencia os ocupantes dessas cadeiras), é a disposição de criar espaço para o grupo florescer. O líder de verdade não se agarra ao time para provar que está junto nem tenta salvar todo mundo do topo da montanha. Ele faz pela equipe o que um jardineiro faz pelo solo: tira as pedras, cuida da luz, rega quando precisa e, principalmente, sai da frente quando as plantas resolvem crescer.
Fico pensando em quem já trabalhou com um chefe que precisa controlar até a cor da caneta do estagiário. É como se o microgerenciamento fosse uma vacina contra o fracasso, mas o efeito colateral é sempre o mesmo: o time encolhe, a criatividade evapora, todo mundo aprende a fingir que trabalha para não ser notado. O vírus do controle transforma adultos em adolescentes assustados, esperando aprovação para cada passo.
Quando o medo entra pela porta, a confiança pula pela janela.
Quando falo em liderança além do ego, não estou vendendo uma utopia zen nem embarcando nesse papo de “líder servidor” que virou moda há algum tempo. Falo de resultados concretos, metas atingidas, “entregas” reais (tenho horror a essa palavra…). O curioso é perceber que esses resultados aparecem como efeito do ambiente e não como obsessão de determinado “líder visionário”. O que move um grupo é o pertencimento, aquela sensação de fazer parte de algo vivo, de um coletivo que se movimenta com clareza e por uma causa (não confunda com propósito, há uma clara diferença aqui 1). Isso vale mais do que qualquer bônus de fim de ano. Já vi equipes entregarem o impossível quando sentem que o trabalho tem sentido e que estão ali por escolha, não por obrigação.
Essa escolha nasce quando há espaço para algo mais profundo: abandonar a ilusão de separação. Grande parte dos conflitos, disputas de poder e angústias diárias vem dessa velha crença de que estamos todos isolados, cada um defendendo seu próprio território. Essas histórias de um “eu” aqui e um “outro” ali, “isso não é da minha área”, “aqui sempre foi assim”, “não mexe em time que está ganhando”, as áreas vistas como feudos e territórios, é isso que tira a leveza do trabalho e transforma tudo numa permanente batalha silenciosa.
A não dualidade mostra que essa separação é só narrativa, um truque da mente. Quando enxergamos o grupo como expressão de uma mesma Consciência, onde ninguém está realmente do lado de fora, o sofrimento perde força. O medo de competir, de perder, de ter que provar valor o tempo todo dissolve porque a fronteira entre “eu” e “outros” some. O ambiente muda: colaboração não precisa ser forçada e a liderança acontece de modo natural, quase invisível, como se todos respirassem juntos e ignorando os ecos antigos, que transparecem ameaças que nunca foram reais.
#17/Explorando a Não Dualidade no Contexto Organizacional
Imagine que você está acorrentado em uma caverna, forçado a olhar para uma parede onde sombras são projetadas por objetos que passam entre você e uma fogueira. Esta é a famosa alegoria da caverna de Platão, onde os prisioneiros acreditam que as sombras constituem a totalidade da realidade, pois nunca viram o mundo exterior. Um dia, um prisioneiro se lib…
Se você parar e fizer as contas, vai perceber que vai passar mais de setenta por cento da sua vida adulta dentro do escritório, da fábrica, do home office, em atividades de trabalho. São mais de noventa mil horas trocando energia por salário, tempo por tarefa. Se tudo isso for apenas para pagar boletos, é difícil não sentir um gosto amargo na boca. O trabalho precisa ser mais do que um castigo com ar-condicionado.
O líder que largou o ego na portaria constrói uma cultura de flow. As pessoas resolvem problemas sem criar atritos desnecessários. As reuniões não viram arenas de vaidade. O time aprende a alinhar interesses como quem afina instrumentos antes do show, sem precisar de um maestro gritando no ouvido de cada músico. Gosto da ideia do Wu Wei, esse princípio antigo do taoísmo Chinês que significa agir sem forçar, como quem faz o que precisa ser feito com naturalidade, no tempo certo, sem empurrar a vida ladeira acima.
O melhor de cada um aparece porque o ambiente permite, não porque alguém está vigiando com uma prancheta ou medindo quantos cliques e em que momento foram acionadas certas telas de trabalho remoto. O líder consciente faz pela equipe (não para a equipe e nem com a equipe).
Já vivi em empresas onde a punição era uma arte fina, passivo-agressiva, sorrisos forçados no café enquanto se prepara a próxima rasteira, o ‘não convite’ para determinada reunião ou o não envolvimento em determinado projeto. Isso só serve para transformar adultos em robôs cansados, trocando horas por salário no automático. Sem confiança, não existe transparência. Sem transparência, o jogo segue velho, com regras do século passado e o mesmo placar medíocre.
O líder além do ego sabe que cargo, influência e poder são moedas que perdem valor rápido. Ele percebe que ninguém faz nada sozinho, que o verdadeiro mérito está em criar um ambiente onde as pessoas não precisam pedir licença para serem brilhantes. Sair de lado é um gesto de quem entendeu que o protagonismo é do grupo, e, se for preciso, ele até apaga a luz antes de sair.
Liderança além do ego é quase invisível, mas todo mundo sente quando está ali. E, se ninguém notar, melhor ainda.
“É, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara.”
- O Grande Lebowski
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