Previsão do tempo
Emoções e pensamentos se parecem com o clima que todos os dias tentamos saber como estará: mudam constantemente, influenciados por variáveis nem sempre visíveis. Da mesma forma que uma tempestade se forma no horizonte, há momentos em que, dadas certas condições, a tempestade perfeita se forma dentro de nós. Temos instrumentos para prever esse movimento interno – sensações, sinais sutis, percepções que antecedem o colapso. Mas, na maioria das vezes, ignoramos esses sinais. E então a chuva de vento e de granizo cai, atingindo tudo ao redor.
Outras vezes, é como uma tempestade elétrica silenciosa: nenhum som, mas clarões à distância. Algo está se transformando dentro, mesmo quando nada parece acontecer fora. Se considerarmos esse paralelo com mais atenção, sujeito e objeto se tornam menos distintos. A fronteira entre o que sente e o que é sentido começa a desaparecer. Surge uma outra instância: algo que observa tudo isso – os pensamentos, as emoções, os movimentos internos – sem interferir. Apenas observa. Está ali desde sempre. E permanece, mesmo quando tudo passa.
Uma pergunta simples e complexa: se cada momento que chega vai embora imediatamente, como esse observador se mantém inalterado?
Essa é uma das perguntas que mais atormenta a mente humana há séculos. O chamado "difícil problema da consciência". Afinal, a consciência está dentro do cérebro, formada por sinapses, impulsos, conexões neuronais? Ou está fora dele – envolvendo tudo, sendo tudo – e o que chamamos de “eu” seria apenas uma expressão temporária dessa Presença maior, que se manifesta em nós e através de nós?
Se tomarmos essa segunda hipótese como válida, como fazem alguns filósofos e físicos contemporâneos 1, então a consciência não se limita ao humano. Aquilo que chamamos de “vida” talvez não seja o critério definitivo. Talvez a consciência esteja presente também no que chamamos de inanimado – rochas, rios, montanhas, nuvens. Uma inteligência subjacente, uma Presença que pulsa em tudo e que é, ao mesmo tempo, espaço e conteúdo.
Essa perspectiva não é nova. Ela atravessa milênios e aparece nas tradições mais diversas.
O filósofo Spinoza já intuía algo parecido ao afirmar que tudo o que existe é expressão de uma única substância infinita – Deus, ou a Natureza. Já a física quântica moderna, por mais que evite afirmar isso diretamente, toca em algo semelhante quando reconhece que o observador altera o fenômeno observado. Como, então, separar claramente matéria e mente? Corpo e espírito? Se o que vemos “fora” é inseparável do que somos “dentro”, talvez não haja realmente um fora ou um dentro.
Tudo pode ser expressão de uma mesma Consciência, uma Presença que se reconhece através da diversidade das formas – ainda que essas formas sejam aparentemente inertes. Um cristal, uma rocha, uma estrela em colapso – cada um a seu modo participa desse grande campo de ser, como notas de uma mesma música, cada qual vibrando em seu próprio tempo e frequência.
No Taoismo, o Tao é a fonte de tudo. Invisível, impessoal, eterno, o Tao não distingue entre o que vive e o que não vive. Tudo é expressão do mesmo princípio. A pedra é Tao. A água que corre é Tao. O silêncio entre os sons também é. Nada está fora. O universo não é composto por partes isoladas, mas por movimentos de um mesmo sopro.
No Vedanta, tradição filosófica da Índia, encontramos o conceito de Brahman – a realidade última, sem forma, sem tempo, da qual tudo emana. O mundo dos fenômenos é como uma onda no oceano: forma temporária de algo que permanece. A consciência não está “em” nós – somos nós que estamos “nela”. Até aquilo que parece inerte é sustentado por esse princípio. O Atman, o ser individual, é um com Brahman. Não há dois.
As cosmologias indígenas de muitos povos também sustentam essa visão. Para os povos originários da América do Sul, por exemplo, tudo tem espírito. Uma montanha é viva. Um rio é um ser com memória. A árvore escuta. O humano não está acima, mas entrelaçado, em relação. O mundo é encantado, não como fantasia, mas como realidade viva, animada por uma mesma força.
O Zen japonês convida ao silêncio e ao gesto simples. A verdade não está em conceitos, mas naquilo que se apresenta quando a mente cessa. O som da chuva no telhado, a luz refletida numa tigela de chá, o espaço entre dois pensamentos – tudo pode revelar o real. Não é preciso buscar, pois já está aqui. O Zen ensina que é o próprio pensamento que obscurece o que já é claro.
No Sufismo, caminho místico do Islã, tudo é expressão do Amado. O universo inteiro é visto como véu e revelação da Unidade. Os sufis dançam e giram não como espetáculo, mas como dissolução do ego, como retorno à fonte. Rumi escreveu: "Você não é uma gota no oceano. Você é o oceano inteiro em uma gota." A Consciência, nesse caminho, é amor em estado puro – aquilo que une tudo ao que sempre foi.
Na Cabala, tradição mística do judaísmo, há Ein Sof – o Infinito incognoscível de onde tudo emerge. O mundo visível é apenas uma contração da Luz divina. Até o que parece inerte carrega uma centelha do divino. O universo é uma linguagem, e cada coisa – viva ou não – é uma letra vibrando sua parte da canção. A consciência, nesse caso, não pertence ao humano: o humano é que pertence à consciência.
Mesmo a física contemporânea, ao se debruçar sobre a matéria, encontra o imaterial. No nível quântico, o observador altera o que é observado. A fronteira entre mente e mundo se dissolve. O que parecia sólido revela-se como vibração, potencialidade, campo de informação. A separação entre sujeito e objeto se desmancha. O universo não é máquina, é relação.
Talvez tudo esteja vivo. Talvez tudo esteja dentro. Ou talvez nem faça mais sentido separar dentro de fora, sujeito de objeto, o que observa do que é observado. Talvez não exista nem mesmo o que chamamos de “nós”, apenas uma experiência acontecendo, sustentada por algo que nunca se move, nunca se confunde, mas está em tudo — e é tudo2.
Essa possibilidade pode soar absurda, até desconfortável. Mas é justamente aí que ela toca um ponto essencial: não se trata de entender, controlar ou encaixar num sistema lógico. Trata-se de perceber. De abrir espaço para uma escuta sem defesas. De reconhecer que aquilo que acreditávamos ser individual, isolado, consciente, pode não passar de um recorte — uma fresta — de uma presença maior, inseparável do que chamamos de mundo.
Tudo continua exatamente como é, mas o modo de estar presente é que muda e muito.
"É, bem, você sabe, isso é apenas, tipo, sua opinião, cara."
- O Grande Lebowski
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Explorando o Realismo Consciente e a Teoria da Interface da Percepção de Donald Hoffman
Donald Hoffman é professor de Ciências Cognitivas da Universidade da Califórnia, em Irvine, e autor de Visual Intelligence: How We Create What We See e coautor de Observer Mechanics: A Formal Theory Of Perception, entre outros.